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(Crónica da revista Flash)
A melhor coisa que pode acontecer a um escritor é apanhar uma boa frase no ar que traga uma boa ideia e nos dê pano para mangas. Às vezes uma boa frase dá oara escrever um livro de 300 páginas como Os Milagres Acontecem Devagar. Ou então para uma crónica, como contou o meu amigo e colega de prateleiras das livrarias Francisco Salgueiro quando um taxista lhe disse a saudade é a presença da ausência. E o Francisco ficou a pensar se o profissional do volante também devia ser escritor.
Eu pensava que a saudade era a presença na ausência, mas esta semana dei por mim a matutar no sábio desabafo do taxista. O meu amor vive debaixo da minha pele todos os dias, adormecemos e acordamos juntos, falo com ele quando me apetece, sonho que estamos de férias junto ao mar e que temos uma vida cheia. O meu amor pode viajar e dar a volta ao mundo sem nunca deixar de viver ca dentro. Há uma parte dele que já ficou aqui , na minha cabeça, no meu coração e em todas as células do meu corpo. O meu amor faz parte de mim. E escuto- lhe a voz mesmo sem o ouvir sussurra-me ao ouvido e apanho no ar o seu perfume mesmo que viaje para outro continente. As saudades são isto, viver o outro ca dentro, como se já se vivesse dissolvido no nosso sangue. Não é uma utopia. É uma percepção da realidade tão legítima quanto pode ser outra qualquer.
Quando as caravelas chegaram ao novo mundo os nativos, estarrecidos e perplexos na praia, não conseguiam percepcionar aqueles enormes volumes de madeira e panos hasteados que flutuavam sobre as águas como deuses gigantes. A sua percepção não lhe permitia captar corpos tão estranhos. É a percepção que molda a realidade e não o contrário. O meu amor que vive ca dentro faz com que a minha percepção dele seja próxima, quente e reconfortante. Está tudo na minha cabeça mas como não posso sair dela, é essa a percepção que conta porque é a minha. É claro que posso ausentar me de mim própria e subir ao camarote e olhar-me à distância. Nesse caso, talvez me veja só, seguida por duas sombras. Mas não há nada mais triste do estarmos longe de nós mesmos, tal como não há nada mais difícil do que fingir algo que não somos ou ignorar o que sentimos.
O meu amor vive comigo. mesmo quando não está por perto oiço lê a respiração profunda enquanto dorme, o bater tranquilo do seu coração quando me abraça e o sintos as suas mãos na minha cintura mesmo quando demora em visitar-me. O lugar que ocupa no meu coração é dele e por isso, absolutamente pessoalmente e totalmente intransmissível. Não tenho a certeza se escolhi ou se aconteceu contra a minha vontade, mas é está a minha verdade, ou percepção da realidade e não tenho outra. A saudade é um sentimento vivo e inquietante que aprendemos a domar com calma, paciência e sobretudo resiliência, tanto connosco como para com o outro.
Quando uma mulher escolhe um homem e ambos se apaixonam, pouco ou nada a fazer. O tempo resolve o
Impossível e as saudades alimentam esse tempo de espera, um compasso desordenado e desigual que nos faz pensar que às vezes somos donos do mundo ou que já o perdemos. Quando os europeus chegaram ao novo mundo, os nativos viram no homem branco um ser estranho e diferente. A confusão é o início de uma nova realidade, o caos precede a ordem, o medo antecede a mudança. Mas um dia tudo muda. Quando o muro de Berlim caíu o mundo já estava à espera.
As saudades são isto: não importa o tempo ou o espaço, porque vivem dentro de nós, como o amor que sentimos.
Na semana passada fiz duas produções fotográficas a propósito do lançamento de "Os Milagres Acontecem Devagar". A Flash e a Caras são duas publicações de referência com as quais gosto sempre de estar. Ficam as fotos.
CARAS
FLASH
Já lá vai o tempo em que o Porto Canal era um canal pequeno e regional. Adorei esta conversa com o Ricardo Couto!
Os lançamentos de livros servem, entre outras questões, para revermos velhos e novos amigos. Este lançamento não foi diferente. E que bom é ter caras conhecidas apoiarem o nosso trabalho.
Alvarinho Siza, arquitecto talentoso e amigo de há muitos anos.
Susana Camelo, uma amiga do coração.
Cláudia Jacques, obrigada pela tua presença.
Um agradecimento especial à Sandra e à equipa de comunicação da FNAC do NorteShopping pelo destaque dado a este livro.
Todos começamos como estranhos. Não conhecemos o outro até ao momento em que o vemos, e depois, de repente, não mais que de repente como diz Vinícius de Moraes, tudo muda. E no entanto, as escolhas que fazemos no amor parecem-nos inevitáveis.
Há sempre um fundo trágico na génese de um grande amor; houve qualquer coisa misteriosa que nos levou para os braços daquela pessoa. Podemos chamar-lhe sorte ou acaso, mas na verdade sabemos que foi a nossa vontade, ainda que nos tentemos defender com o velho argumento, é mais forte do que eu. E este é o grande problema do amor, ele é sempre mais forte do que nós. E enquanto avançamos, sabemos que estamos a avançar. Nunca damos o primeiro beijo por caso ou por distracção, porque antes de o darmos, já o imaginámos mil vezes. Este é outro poder do amor, o da antecipação. Misturado com o desejo e a imaginação, pode transformar a nossa vida para sempre. É como a erupção de um vulcão ou um tsunami, com danos extensos no tempo e no espaço e por vezes irreparáveis.
Mas então porque avançamos? Eu acredito que nos apaixonamos para afastar a ideia da morte. E que amamos para sobreviver. O desejo que vem com o amor pode ser mais ou menos forte, mais ou menos carnal, Até pode ser apenas fraternal, sem qualquer erotismo, mas é uma parte do amor. Esse é aquele tipo de amor que sentimos pelos nossos melhores amigos: somos capazes de fazer tudo por eles. Amor, paixão, desejo, afecto, vontade, imaginação, hoje vejo tudo como partes de um todo e já dizia a sabedoria grega que o todo é maior do que a soma das partes. Por isso, mais do analisar o porquê, é importante perceber se o outro nos ama da mesma forma e está disposto a fazer por nós o que estamos dispostos a fazer por ele. Um amor feliz é um amor vencedor, os dois jogam em equipa, um mata e o outro esfola, e quando chega a hora do sossego é quando começa o circo.
Um amor a sério aguenta tudo: bons e maus momentos, desentendimentos, afastamentos, braços de ferro, hoje ganhas tu mas amanhã ganho eu, e depois tudo passa, tudo volta ao seu lugar, a vida segue em frente e se for mesmo para seguirmos juntos, a vida irá encarregar-se disso. Nada como ouvir a sabedoria chinesa que nos ensina a esperar. O mestre só aparece quando o aluno está preparado. O amor só aparece quando há um tempo e um lugar e uma razão para aparecer. E se for a sério, dura, dura, dura, como um bom casaco de caxemira: nunca perde o toque, o aconchego, a suavidade, a forma, o charme e o sentido.
Ando há tantos anos a escrever sobre amor que às vezes acho que quanto menos pensar no assunto, mais feliz posso ser. Estar sempre a dissecar o amor acaba com ele. É como uma erva daninha: se não lhe mexemos, multiplica-se, mas se nos pomos a esgravatar e a arrancar as raízes, acabamos com ela. O amor dá trabalho, desgostos, dores de barriga. O amor também cansa, também enjoa, também nos esgota. Mas é o sal da alma, o sal e todas a especiarias que o mundo pode ter. Um coração sem sal é um músculo triste e mecânico. Prefiro e meu que, embora seja dado a arritmias, sabe saborear o sal que a vida lhe vai trazendo. E se começamos como estranhos, nunca acabamos como estranhos, mesmo se tudo acabar.
Quando amamos alguém, nunca deixamos de amar essa pessoa. E esse amor morre connosco. O amor é a cola da vida, sem ele nada é possível.
*Originalmente publicado na revista Flash
Sempre que penso como é que nasce a ideia de um romance na minha cabeça, preciso de respirar fundo e viajar para dentro, porque as ideias podem estar guardadas no baú da memória há mais tempo do que eu mesma me lembro. É o caso de "Os Milagres Acontecem Devagar" que chegou há duas semanas ás livrarias de todo o país.
A história começou a germinar na minha cabeça como uma semente quando uma amiga terapeuta comentou num jantar de mulheres que tinha dois pacientes envolvidos num romance e não sabiam que eram ambos a consultavam. A vida está cheia de coincidências, ou então, como digo há muito anos, não há coincidências. Aquela ideia não mais me saiu da cabeça. Depois pedi a dois amigos homens e duas amigas mulheres que me emprestassem algumas das suas histórias pessoais, juntei as masculinas num só personagem e reciclei as femininas em duas mulheres. E assim nasceu o triângulo amoroso formado por Maria do Mar, Henrique e Catarina.
Quem se divertiu com a crónica de costumes que apimentou o "Sei Lá" e "Não Há Coincidências", quem se envolveu com os amores e desamores de "Pessoas Como Nós", vai revisitar a minha escrita mais crítica e mais mundana. E quem se deixou levar pela nostalgia das cartas de amor como "Diário da Tua Ausência" ou "O Dia em que Te Esqueci", vai regressar a esse tipo de emoção mais profunda e intimista. Os meus personagens são fortes na sua vida do dia-a-dia, mas quando se sentam na cadeira do terapeuta deixam cair as suas defesas e permitem-se ser eles mesmos.
Escrever é antes de mais um acto libertador. Quando um escritor começa um livro, inicia uma viagem com um fim mais ou menos definido, mas em momento algum se sente tão livre como quando começa a navegar na sua imaginação. São meses de peregrinação interior, enquanto os personagens ganham vida, passado, consistência, corpo, feições e temperatura. Almoçamos, jantamos e dormimos com eles. Fundem-se com a nossa realidade e não nos deixam um minuto. São como uma grande paixão: respiramos sempre melhor se estiver por perto. E a história vai crescendo, devagar, capitulo a capítulo, passo a passo, sonho a sonho, desilusão a desilusão. Às vezes zangamos-nos com os personagens. Outras vezes, zangamos-nos com a vida real e transmutamos a nossa fúria para parágrafos inteiros nas vozes deles. Ou então eles dizem o que mais gostaríamos de ouvir. Mais ou menos a um terço do fim, os livros, que são seres vivos, gostam de nos pregar partidas e trocam-nos as voltas. O meu engasgou-se e tive de o virar do avesso para lhe conseguir retirar a pedra que tinha entalada na garganta. O início de um Verão auspicioso restabeleceu a ordem e voltei a ganhar pulso aos meus personagens, os seus medos e desejos, os seus filhos e os seus amores, a sua vida.
"Os Milagres Acontecem Devagar" é um romance sobre segundas e terceiras oportunidades na vida. Nunca é tarde para acreditar que podemos construir a relação certa com alguém que amamos. Nunca é tarde para voltar a sonhar, para fazer planos. Mas para isso é preciso querer, é preciso saber confiar em nós e saber que podemos confiar no outro. Enquanto houver confiança, fé e esperança, pode haver tudo. Mas se perdemos uma destas pelo caminho o que nos resta fazer?
Às vezes mais vale matar as coisas antes que elas nos matem, porque a vida encarrega-se de repor a ordem e a justiça. E nunca é tarde. Os verdadeiros milagres acontecem, mas precisam de paciência, de amor e de tempo.
Não conheço a autora mas fiquei mesmo contente.
Obrigada!
"Sim, eu sou assim básica no que toca à leitura e no entanto é das coisas que mais gosto de fazer.
E ontem lá fui eu toda lampeira para o lançamento do livro "Os milagres acontecem devagar".
Para os que ainda não sabem, estou todas as semanas na SIC Mulher, à conversa com a Ana Rita Clara. Aqui fica o vídeo da semana passada (a partir do minuto 10), onde falámos sobre "Os Milagres Acontecem Devagar".
Olá!
É com o maior sorriso que consigo imaginar que inicio o meu blogue. Há muito que o queria fazer, mas sinto que é agora o momento certo.
Começo por vos deixar o texto de introdução publicada em ‘Os Milagres Acontecem Devagar’, o meu 11º romance que chegou esta semana às livrarias.
A história começou a germinar na minha cabeça como uma semente quando uma amiga terapeuta comentou num jantar de mulheres que tinha dois pacientes que tinham uma caso e não sabiam: a vida está cheia de coincidências, ou então, como digo há muito anos, não há coincidências, não é? Depois pedi a dois amigos homens e duas amigas mulheres que me emprestassem as suas histórias pessoais masculinas num só personagem e dividi as femininas por duas mulheres. E assim nasceu o triângulo amoroso formado por Maria do mar, Henrique e Catarina. E mais não conto!
Aqui fica a introdução. Espero que gostem.
"Como vivemos o amor depois dos 40 anos? O que é que ainda estamos dispostos a fazer, até que ponto queremos ou conseguimos ceder tempo e espaço para construir uma relação? O que é que ainda conseguimos mudar em nós e o que podemos esperar que o outro mude?
Depois dos 40 já vivemos metade da nossa vida. Criámos hábitos, vícios, manias. Sabemos o que gostamos e o que não gostamos em nós e nos outros. Conhecemos os nossos defeitos e as nossas qualidades. Começamos a aprender a viver com algumas limitações: dormimos menos horas, vemos pior, temos menos tolerância para tudo aquilo que não consideramos importante. Entusiasmamo-nos com menos ingenuidade e apaixonamo-nos com maior profundidade. No fundo, de forma consciente ou inconsciente, escolhemos mais. Mas nem sempre escolhemos melhor. E entre nós há ainda quem sinta o mundo a encolher à sua volta e acredite que as escolhas serão sempre mais e mais escassas. Muitos trocaram sonhos nunca realizados por uma realidade conformada. Mas nem todos deixaram de sonhar.
Depois dos 40, quando tudo parece simplificar-se, afinal o amor é ainda mais complicado. Já carregamos metade de uma vida com casamentos e separações, traumas e desilusões, filhos ainda por criar e pais que já precisam dos nossos cuidados. Surgem as primeiras mazelas e aparecem as primeiras rugas. E no entanto, se encontrarmos alguém que nos atrai, com quem partilhamos interesses, convicções, valores e vontades, e se esse alguém se interessar por nós, em que medida estamos ainda disponíveis para arriscar, para abandonar a nossa zona de conforto e mudar de vida? Em última análise, até que ponto estamos ainda disponíveis para amar?
Nós somos a ultima geração Disney e a primeira dos vídeos pornográficos de livre acesso. Ainda preferimos telefonar em vez de enviar WhatsAps. Não acabamos relações por SMS. Muitos entre nós são filhos de casais que nunca se separaram. Quisemos tudo: carreiras brilhantes, casamentos perfeitos, filhos inteligentes, viagens, desporto e aventuras. Entrámos sem receio nem pudor na segunda e terceira volta das uniões de facto, juntando trapos e filhos como quem muda de camisa. Habituámo-nos a pensar que podíamos ter tudo e por isso, não precisávamos de fazer escolhas. Mas a vida acaba sempre por nos trocar as voltas: apaixonamo-nos por pessoas pouco disponíveis ou aborrecemo-nos quando a pessoa que sempre fez tudo por nós continua ao nosso lado.
A ambivalência profunda entre aquilo que ainda consideramos que é correcto e aquilo que nos apetece é o nosso ponto fraco. Fomos adultos muito cedo e, como é normal nas crianças precoces, demorámos e vamos ainda demorar muito tempo a amadurecer. E no entanto, alguns de nós ainda sonham com a eterna busca de um amor ideal, acreditando no poder da dedicação total e da fidelidade incondicional. Alguns de nós ainda sonham ser aquele casal perfeito para quem os outros olham com admiração e orgulho. Como se a perfeição pudesse existir.
Este é um romance que conta a história entre um homem e uma mulher que querem construir um amor possível no meio do caos amoroso e, da volatilidade afectiva, do medo da entrega e da resistência em sair da zona de conforto. Ambos vivem num labirinto, mas apenas um conseguirá sair e libertar-se."
Lisboa, 29 de Julho de 2014