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Tenho muita sorte porque tenho vários bons amigos. Homens e mulheres, De todas a idades. De todos os estilos e de várias nacionalidades. Os amigos são a nossa segunda família. dedico-lhes livros e escrevo-lhe crónicas. São pessoas que forra o meu coração a papel de seda. Alguns Já morreram, mas viverão para sempre no meu coração. São eternos. Não são infalíveis. Têm imensos defeitos, como eu, mas raramente me desiludem. Entre eles estão os meus irmãos e cunhados. Tenho muita sorte, porque se ficar doente, os dedos das duas mãos não chegam para contar os que aparecem para ajudar, para tudo. É uma bênção cultivada ao longo dos anos. Que dura e perdura. E que viverá comigo para sempre.
A partir de hoje vou tentar, de forma quase diária, alimentar esta nova rubrica do meu blog com uma ideia simples que faça a todos aqueles que a lerem passar um dia melhor, mais leve, menos só, mais cheio, com mais luz.
Não vai ser uma tarefa fácil, mas nunca gostei de coisa fáceis, por isso espero que gostem, e se de vez em quando falhar, pensem que estou sem computador, ou com gripe, ou ocupada com outras coisas ou com vontade de desligar.
Sendo assim aqui vamos: pomos o amor onde queremos. Nos filhos, nos amigos, nos pais, nos nossos animais, no trabalho, nos sonhos, no passado, no futuro. Pomos o amor onde queremos porque o amor começa e acaba em nós; o amor que sentimos pelos outros é nosso e por isso temos o poder de o dar a quem queremos, ou de o guardar num lugar qualquer se quem amamos não põe o seu amor amor em nós. É fácil: basta comprar uma caixa e atirar lá para dentro o nosso amor. Se for um amor raro, não precisa de tampa, porque não foge. O amor vive dentro de nós, nasce e morre cá dentro. São o nosso discernimento e livre arbítrio que decidem como e a quem o devemos dar. E todos temos para dar. Mas todos temos o direito e o dever de o dar apenas a quem queremos e a quem o merece.
E quando o damos sem medo, continua a ser nosso; estamos apenas a partilhar.
Todos começamos como estranhos. Não conhecemos o outro até ao momento em que o vemos, e depois, de repente, não mais que de repente como diz Vinícius de Moraes, tudo muda. E no entanto, as escolhas que fazemos no amor parecem-nos inevitáveis.
Há sempre um fundo trágico na génese de um grande amor; houve qualquer coisa misteriosa que nos levou para os braços daquela pessoa. Podemos chamar-lhe sorte ou acaso, mas na verdade sabemos que foi a nossa vontade, ainda que nos tentemos defender com o velho argumento, é mais forte do que eu. E este é o grande problema do amor, ele é sempre mais forte do que nós. E enquanto avançamos, sabemos que estamos a avançar. Nunca damos o primeiro beijo por caso ou por distracção, porque antes de o darmos, já o imaginámos mil vezes. Este é outro poder do amor, o da antecipação. Misturado com o desejo e a imaginação, pode transformar a nossa vida para sempre. É como a erupção de um vulcão ou um tsunami, com danos extensos no tempo e no espaço e por vezes irreparáveis.
Mas então porque avançamos? Eu acredito que nos apaixonamos para afastar a ideia da morte. E que amamos para sobreviver. O desejo que vem com o amor pode ser mais ou menos forte, mais ou menos carnal, Até pode ser apenas fraternal, sem qualquer erotismo, mas é uma parte do amor. Esse é aquele tipo de amor que sentimos pelos nossos melhores amigos: somos capazes de fazer tudo por eles. Amor, paixão, desejo, afecto, vontade, imaginação, hoje vejo tudo como partes de um todo e já dizia a sabedoria grega que o todo é maior do que a soma das partes. Por isso, mais do analisar o porquê, é importante perceber se o outro nos ama da mesma forma e está disposto a fazer por nós o que estamos dispostos a fazer por ele. Um amor feliz é um amor vencedor, os dois jogam em equipa, um mata e o outro esfola, e quando chega a hora do sossego é quando começa o circo.
Um amor a sério aguenta tudo: bons e maus momentos, desentendimentos, afastamentos, braços de ferro, hoje ganhas tu mas amanhã ganho eu, e depois tudo passa, tudo volta ao seu lugar, a vida segue em frente e se for mesmo para seguirmos juntos, a vida irá encarregar-se disso. Nada como ouvir a sabedoria chinesa que nos ensina a esperar. O mestre só aparece quando o aluno está preparado. O amor só aparece quando há um tempo e um lugar e uma razão para aparecer. E se for a sério, dura, dura, dura, como um bom casaco de caxemira: nunca perde o toque, o aconchego, a suavidade, a forma, o charme e o sentido.
Ando há tantos anos a escrever sobre amor que às vezes acho que quanto menos pensar no assunto, mais feliz posso ser. Estar sempre a dissecar o amor acaba com ele. É como uma erva daninha: se não lhe mexemos, multiplica-se, mas se nos pomos a esgravatar e a arrancar as raízes, acabamos com ela. O amor dá trabalho, desgostos, dores de barriga. O amor também cansa, também enjoa, também nos esgota. Mas é o sal da alma, o sal e todas a especiarias que o mundo pode ter. Um coração sem sal é um músculo triste e mecânico. Prefiro e meu que, embora seja dado a arritmias, sabe saborear o sal que a vida lhe vai trazendo. E se começamos como estranhos, nunca acabamos como estranhos, mesmo se tudo acabar.
Quando amamos alguém, nunca deixamos de amar essa pessoa. E esse amor morre connosco. O amor é a cola da vida, sem ele nada é possível.
*Originalmente publicado na revista Flash
Não há nada melhor do que estar apaixonado. Nem pior.
Há quem fique com alergias de pele, dores de barriga, insónias, suores frios, fraqueza nas pernas, falta de apetite. Há quem se sinta paralisado de medo e passe meses em negação a dizer a si mesmo e ao outro, não, eu não estou apaixonado, não sou dado a estas coisas, isto passa, como se fosse uma constipação. E depois percebe que a constipação dura há 5 meses e que não há doses diários de vitamina C que resolvam o problema, porque estar apaixonado pode ser mesmo um grande problema.
Há quem saia todas as quintas, sextas e sábados em busca de outras caras e de outras vozes que façam esquecer a única que vemos e ouvimos durante a maior parte das 18 horas que estamos acordados e grande parte dos restantes que tentamos dormir. Os mais incautos arriscam a trazer para casa alguém completamente diferente par ver se pega, mas não pega, e dez minutos depois o outro já está a ser empurrado porta fora porque não pertence à nossa casa, à nossa vida e nunca mais o queremos ver.
Fazem isto os mais aventureiros, os mais kamikaze ou os mais novos, que ainda acreditam que as coisas podem mesmo mudar de um dia para o outro. Nunca mudam. Mudam um dia, quando menos esperamos, quase nunca quando mais desejamos.
Com o tempo uma pessoa aprende a mastigar a paixão com serenidade, a esperar que o tempo dite se vai ou não transformar-se numa história de amor, se a vida vai ou não dar-nos uma oportunidade. Nem sempre depende de nós. Nem sempre depende do outro. Às vezes depende dos dois, mas um quer muito e outro não sabe. Ou nenhum consegue dar o primeiro passo. Ou o outro pede-nos tempo e não sentimos que já não temos energia para lhe dar o tempo que ele precisa.
Ou então ficamos com medo porque o outro que estava ali todos os dias deixou de estar e é como se tudo o que vivemos nunca tivesse existido. Há quem devore uma embalagem de gelado de Pralinés & Cream às colheradas de sopa, há quem veja episódios repetidos da Anatomia de Grey ou do Scandal durante um fim-de-semana sem se levantar do sofá, há quem se vingue no ginásio e faça três aulas seguidas, há quem se refugie no trabalho e saia do escritório no último minuto possível.
Quando estamos apaixonados ficamos insuportáveis para o mundo, mas sobretudo para nós próprios. Queremos e não queremos sentir as borboletas na barriga, queremos e não queremos receber uma mensagem de bom dia ou de boa noite, queremos e não queremos acreditar que vai correr tudo bem, porque se por acaso não der certo, nem queremos pensar como nos vamos sentir a seguir.
Acima de tudo queremos acreditar que somos fortes e que o amor não nos mata, mas sabemos que mói, que cansa, que entristece, que enfraquece, que chateia quando não temos o que queremos. É muito risco para tão poucas certezas. E muitos sonhos a entupir a realidade. E muito desejo que fica por cumprir, porque quando estamos apaixonados queremos tudo aqui e agora e o outro nem sempre pode, nem sempre quer, nem sempre consegue. O outro, que também foi apanhado na curva, tem a vida dele, os problemas dele, os fantasmas dele para resolver. Mesmo que nos ame profundamente, nem sempre consegue amar-nos quando e como queremos.
Estar apaixonado não é uma escolha, é uma espécie de fatalidade. Não escolhemos quem se senta ao nosso lado no avião ou que carro se cruza com o nosso na estrada. Não escolhemos o dia em que nascemos nem o dia em que morremos. Não escolhemos os pais nem os filhos. As coisas mais importantes na vida nunca são escolhidas por nós.
Por isso o melhor é aceitar e aprender a viver com elas. E estar apaixonado, por mais trabalho que dê, é sempre melhor do marinar numa existência morna, com ou sem companhia. A companhia está dentro do peito, dentro de nós, é como uma semente: uma vez plantada, vai crescendo silenciosamente e quando damos por ela já tem o tamanho de uma árvore e é preciso uma escavadora para a arrancar.
Vale a pena correr riscos por amor? Claro que sim.
Aqueles que crescem num mundo protegido acreditam que têm todo controlado. Nada é menos verdade. A margem de imprevisibilidade é muito maior do que gostamos de imaginar: na verdade, nunca sabemos o que nos espera. Gosto usar a imagem de nos cair um piano na cabeça porque ela é mais verosímil do que parece.
Depois do primeiro grande crash da bolsa em Nova Iorque em 1919, centenas de investidores falidos suicidavam-se atirando-se de arranha-céus, o que provocou a morte de vários transeuntes. Ou seja, o medo que aterrorizava Abracourcix, o chefe da aldeia gaulesa da famosa dupla Astérix e Obélix da banda desenhada de Sempé e Goschiny tinha a sua razão de ser. Ele temia que o céu lhe caísse em cima da cabeça, embora rematasse com optimismo, mas amanhã não será a véspera desse dia.
Correr riscos faz parte da vida, por isso mais vale arriscar do que ficar parado à espera que a vida decida as coisas por nós. Até porque quando a vide decide por nós, raramente decide em nosso favor. A realidade muda devagar, mas muda: podemos passar meses ou anos dispostos a tudo para que uma relação funcione, até o dia em que nos fartamos ou nos apaixonamos por outra pessoa.
Acredito que as pessoas apaixonadas correm menos riscos, por se sentirem mais fortes e por isso se comportarem de forma mais confiante. Confiança gera confiança, segurança gera segurança, estabilidade gera estabilidade. Se esperarmos sempre o melhor do outro e lhe dissermos isso mesmo, ele tenderá a dar-nos o seu melhor. Se, pelo contrário, o estivermos sempre a desvalorizar, mostrando-lhe que não acreditamos nele, estamos a minar um campo que queremos cultivar. Nem sequer se trata de dar ao outro o benefício da dúvida, porque quando estamos apaixonados, a dúvida não existe. Trata-se de o ver com bons olhos e acreditar que tudo é possível.
Acredito em padrões de comportamento, mas não acredito em regras para o amor. Um solteirão inveterado pode encantar-se com a rotina de casal, da mesma maneira que um sedutor profissional pode apaixonar-se e concentrar-se numa só mulher. É difícil, mas não impossível. Já assisti de camarote à capitulação de uns quantos e, acredite-se ou não, são muito mais felizes. Em todos os casos, eles fizeram essa escolha de forma consciente: queriam mudar. E mudaram.
As mudanças dão muito trabalho, demoram muito tempo e quase nunca são lineares. Ninguém se apaixona em três minutos, nem conhece o outro em menos de dois anos. Mas é possível apostar numa relação com os pés no chão e a cabeça no lugar, desde que se conheça os riscos envolvidos.
O truque é nunca entrar a pés juntos, não sonhar com o impossível, manter um pé na cama ou no chão, por mais feliz e segura que uma pessoa se sinta. O mais importante é ouvir o coração do outro e perceber como bate por nós: se bate tanto na presença como na ausência, se nos dá sinais que nos ama e que quer ficar ao nosso lado.
Quem ama, protege, quem ama, cuida, quem ama tem tempo para nós. Quem nos ama, quer-nos bem, acima de tudo. Por isso é preciso dar tempo e espaço ao amor, regá-lo todos os dias a optimismo e boa vontade, apimentá-lo com mimos e confiar na vida, sem nunca perder o pé, nem subir demasiado alto, sob o risco de cair como um piano sem governo nem salvação possíveis.
Não há nada melhor do que estar apaixonado. Nem pior, já dizia o Miguel Esteves Cardoso. O cérebro fica alterado: vemos as cores mais nítidas, as árvores mais altas, a lua maior. O sol fica mais quente, os dias enormes e a noites, sem fim.
Estar apaixonado é ao mesmo tempo um estado de grande graça e de desgraça profunda. O nosso bem-estar fica pendurado sem sonhos e expectativas que deixam de passar pela nossa vontade porque o Outro entra dentro do nosso coração como um invasor secreto, senta-se na sala, dorme na cama e nunca mais sai de lá, mesmo que esteja a quilómetros de distância.
O Outro passa a fazer parte integrante de Nós e a simples visão do mundo sem ele faz com este se torne num lugar frio, vazio e hostil. Quando nos apaixonamos, criamos uma necessidade nova e tirânica, a de ver, de estar e de sentir o objecto do nosso amor como se fizesse parte de nós. Questão é que não faz, e é isso que temos de perceber em todos os estados da paixão: no início, no meio e no fim, quer esta se transforme, ou não, em uma grande história de amor.
Eu também gosto de sentir borboletas no estômago. Gosto de dar beijos sem fim, de agarrar com as duas mãos o corpo que amo e sentir-lhe o cheiro a pipocas no pescoço. Gosto de fechar os olhos sempre que não está ao meu lado e de imaginar a sua presença, o seu toque, os braços a envolverem-me, a voz quente a sussurrar-me e surdina o quanto me quer, como um segredo bem guardado. Gosto da vertigem, do desejo, da vontade, da imaginação. Mas depois preciso de outras coisas.
Há mais mundo para lá das borboletas que nos sacodem e do cheiro a pipocas que nos estonteia, como um perfume dos deuses. Para que uma paixão perdure e se transforme em amor, é preciso tempo, paz, segurança e acima de tudo, é preciso confiança. A paixão é feita de confiança cega; o amor é feito de confiança construída. Só vale a pena viver a vertigem se o caminho nos levar a um porto seguro. Só vale a pena arriscar voar alto, se levarmos pára-quedas, se o Outro nos puder salvar. E nem sempre pode, porque nem sempre sabe, quer, ou consegue fazê-lo.
O Outro, que queremos amar sem medo, tem os seus medos, os seus traumas, os seus problemas. O Outro é sempre outra pessoa, ainda que faça parte de nós. Por isso é preciso dar-lhe tempo e espaço, ir percebendo se quer o mesmo que nós, por mais que nos ame, por mais que as borboletas e as pipocas não nos larguem. O Outro nunca será exactamente como sonhámos nem irá fazer tudo o que queremos, por isso, nada como o tempo para perceber se as borboletas e as pipocas voam e saltam para nos fazer felizes.
Em caso afirmativo, são o melhor da vida. Mas se nos cansam e nos enfraquecem, se para lá do que sentimos e sonhamos, o medo e a angústia prevalecem, então mais vale abrir e janela e mandá-las embora. Viver uma paixão é uma questão de acaso: viver um grande amor é uma questão de sorte. E a sorte também se constrói.
O ofício de escritor ensinou-me três coisas: a estar sozinha, a nunca desistir de escrever, mesmo quando não sai uma linha e a perceber que ninguém pode fazer o meu trabalho por mim. É uma missão interior que nasce connosco em que a vontade férrea, a imaginação e a disciplina vão sendo ao mesmo tempo testadas e desenvolvidas. E como é normal, cada escritor tem as suas manias: uns só escrevem de noite, outros só de dia, outros a fumar cigarros, outros a beber café, uns isolados em casa, outros na confusão de um espaço público.
E cada um tem os seus rituais. Eu só escrevo com luz natural e uma bola debaixo dos pés para ir exercitando as pernas, de phones, com o telemóvel em silêncio. E a tempo de parar para não perder a minha maravilhosa aula de Ginástica Localizada no Academia Tejo ao final da tarde, de preferência de segunda a sexta, sem falhar. A rotina é fundamental e quem não a respeita, perde o ritmo. Por isso escolho para cada livro uma banda sonora e oiço-a sempre, criando um elo secreto com a minha escrita que a ajuda a respirar e a fortalecer-se.
Cada romance escrito é parecido com um romance vivido: escolhemos as personagens e construímos o seu percurso de uma forma semelhante ao que fazemos quando nos apaixonamos. Os heróis têm de ser belos e valentes, tanto no papel como na vida real. Apaixonamo-nos com a mesma intensidade e se por acaso nos desiludem, zangamo-nos com elas, dentro e fora dos livros, às vezes ao mesmo tempo. E depois procuramos a paz, o entendimento, o fim perfeito, que nos livros pode ser aberto ou fechado, mas na vida é sempre aberto, porque nunca sabemos o dia de amanhã.
Os livros são muito mais parecidos com a vida do que os filmes. Nos filmes é tudo condensado e, por isso, redutor. Mas ainda assim, a vida é muito mais rica do que qualquer livro. A grande vantagem dos livros é ensinarem-nos a olhar para a vida com outros olhos. E há sempre coisas a aprender. Às vezes pensamos que conhecemos todas as respostas e a vida traz-nos novas perguntas, que nunca imaginámos ter de enfrentar.
Na vida, o amor nunca é linear. Às vezes avança de repente, outras vezes esconde-se, outras desiste. Ou então, quando menos esperamos, volta, conquista, vence, enche-nos a casa e o coração e prevalece. Não há receitas de sucesso para o amor, por isso é muito mais comum falhar do que ganhar. Ao contrário do que acontece nos livros, onde quem manda é o autor, no amor quem manda é a vida, o tempo e a sorte. E quanto mais tentamos controlar, mais difícil se torna viver.
É como desafiar os elementos: experimente tentar parar o vento ou a chuva, ou alterar o ciclo das marés. No amor é igual: há sempre muitos factores em jogo que não dependem de nós e que por isso não podemos nem devemos controlar. Não controlamos por quem nos apaixonamos. Não controlamos quando agonizamos de saudades de alguém. Não controlamos se deixamos de amar. Ou se alguém prefere outra vida sem ser ao nosso lado. Por isso vemos tantos filmes e lemos tantos livros. Queremos respostas para questões que só o tempo resolve.
Precisamos de aprender a fazer menos perguntas e a esperar menos respostas. Quem nos ama, acabará sempre por voltar para o nosso lado. Seja um amigo, um filho, um namorado, um amante ou um marido. O que é nosso a nós volta sempre. Mas não dá para pedir, para forçar. Rezem os crentes, cada um no seu credo, porque o Universo lá sabe o que faz e que destino que as estrelas têm guardado para cada um de nós.
Deve ter sido mais ou menos há dez anos que ganhei a consciência plena da importância da felicidade na minha vida. Há conversas com os nossos filhos que nunca mais esquecemos. O Lourenço devia ter oito ou nove anos, estávamos a tomar o pequeno-almoço antes de o levar à escola. Falávamos do que ele gostaria de ser quando crescesse. Para meu espanto, disse-me, Secretário Geral da ONU. Porquê? , perguntei. Porque vou ganhar um bom ordenado e posso ajudar o mundo.
Com nove anos o Lourenço não sabia que ia ser músico. Filho de um realizador de filmes publicitários e de uma escritora, o meu filho lançou em cima dos cereais uma dúvida inquietante: a mãe e o pai têm um dom, e se eu não tiver nenhum dom? Perguntou.
Uma mãe consegue quase sempre dar a resposta certa, pensei. Respirei fundo e disse: toda a gente tem um dom, por isso tu vais descobrir o teu. Mas antes disso, o mais importante é que sejas feliz. E foi então que percebi que nunca ninguém me tinha dito que uma das minhas missões na vida era ser feliz. Eu devia ser bem comportada, comer a sopa até ao fim, não me levantar da mesa sem pedir licença, não faltar às aulas, não sair até tarde, terminar o curso superior, arranjar um trabalho e tornar-me independente.
Eu devia ser boa filha, boa amiga, boa irmã e, quando chegasse o momento certo, ser uma boa mulher e boa mãe. Fazer tudo bem, sempre, mas ser feliz, isso ninguém me disse. Tive de aprender sozinha. Olhando para trás, vejo que foi apenas no momento em que o disse ao meu filho, que a felicidade ganhou contornos reais na minha existência.
Todos procuramos a felicidade, mas poucos entre nós a conseguem alcançar. Ao logo da vida vamos aprendendo que não nos faz felizes. As mulheres constroem uma lista mental de defeitos nos homens que as fazem sofrer e as mais corajosas não abdicam delas. Eu não tolero homens mentirosos, prepotentes, infiéis ou preguiçosos. Esta é a minha lista. Cada pessoa tem a sua e tem o direito de ter nela o que quiser. Se uma mulher se sente desconfortável ao lado de um tipo que diz fizestes e usa o boné de pala virado ao contrário, está no seu direito.
No entanto, a felicidade é um trabalho muito mais interior e solitário do que pensamos. O Professor Dan Gilbert da Universidade de Harvard, provou recentemente que o ser humano tem capacidade para sintetizar a felicidade. Depois de vários estudos, ele chegou à conclusão que assim como possuímos um sistema imunitário que nos protege de doenças, vírus e bactérias, também possuímos mecanismos cerebrais que sintetizam a felicidade.
Dan Gilbert descobriu ainda que, o que quer que nos aconteça, seja o melhor ou o pior, demora 3 meses a normalizar. Essa capacidade está dentro de nós, faz parte da nossa capacidade em sobreviver.
Saber que podemos sintetizar a felicidade pode melhor a qualidade de vida das pessoas que acreditarem que o conseguem fazer. É aquilo a que chamo olhar para copo e ver que está meio cheio, ou, como cantava Chet Baker So always look for the silver lining and try to find the sunny side of life.
É verdade que a nossa cultura portuguesa puxão à nostalgia e ao fado. Mas também é verdade que já estamos um bocado cansados dessa conversa. Basta passear por Lisboa e ver centenas de estrangeiros maravilhados com a nossa cidade, para perceber que quem nos visita, se sente feliz. Lisboa tem mais sol do que qualquer outra capital europeia. É preciso aproveitar esse sunny side do nosso país e interiorizá-lo. É preciso sintetizar a felicidade. Além disso, algo me diz que um sentimento contagioso. Ser feliz não é uma conquista. É um processo. Mas temos a capacidade de a fabricar. No fundo é muito parecido com o amor. E, quando as estrelas se alinham, acaba por ser a mesma coisa.
Um casal vê o mundo a quatro-olhos. E por isso vê melhor, mais longe. Um casal faz planos: a curto, médio ou longo prazo, tanto faz. Pode ser uma ida ao cinema amanhã, um fim-de-semana na praia quando chegar o bom tempo, uns dias em Veneza a namorar ou uma semana de auto-caravana a explorar a Costa Alentejana. Não é importante quando, o importante é saber que existem.
Um casal cuida cada um de si para poder cuidar do outro. E quando um está doente, cansado ou em baixo, o outro arregaça as mangas, vai à farmácia e mima-o. E quando estão os dois tristes, apoiam-se um no outro, porque sabem que ser um casal é isso mesmo, chegar a casa e ter sempre um ombro que nos ampara, braços que nos abraçam, alguém que nos ouve com o coração e nos ajuda a pensar em soluções.
Para mim, conjugalidade, sexualidade e felicidade são como as três fadas benfazejas da Princesa Aurora, Flora, Fauna e Primavera. Elos que vivem unidos para o bem dos dois. A conjugalidade traz paz, segurança e estabilidade, a sexualidade traz desejo e intimidade e tudo isso somado, abre as portas da felicidade. Claro que na vida real nada se faz por magia.
A varinha de condão está na nossa vontade, nas nossas certezas e no nosso optimismo. Escolhemos aquela pessoa para estar ao nosso lado porque na verdade não nos imaginamos com mais ninguém. Até podemos imaginar partes da nossa vida com outras pessoas, como fazemos com os nossos amigos ou quando, sem viver uma relação estável, nos sentimos bem ao lado de alguém.
Mas o amor é outra coisa: é adormecer todos os dias agarrado a um corpo que se funde com o nosso e dormir em paz. É acordar devagar e desenhar rotinas leves e confortáveis. É não ter de fazer nada de especial para surpreender ou seduzir o outro, porque basta-nos estar ao lado dele para que tudo seja mais leve e mais fácil.
O cinema, a literatura e a música incutiram-nos uma visão distorcida do amor. Na arte e na ficção os amantes vivem separados por contingências várias que ultrapassam os heróis, mas na vida real, os amantes são os verdadeiros heróis, porque a vida já dá trabalho suficiente. Na vida real os amantes estão juntos e os dragões e as bruxas más morrem na praia.
Na vida real não há maçãs envenenadas e as que aparecem vão para o lixo. E não são precisos grandes gestos ou rasgos de génio para mostrar o amor que sentimos, bastam pequenas atenções: um chocolate, um frasco de mel, não te esqueças de tomar o xarope para a tosse, comprei-te este livro porque sei que vais gostar, vamos passear até á praia, compras-me um gelado?
Idealizar quem amamos faz parte de todos os inícios, mas é quando aceitamos o outro como ele é, com as suas parvoíces e os seus defeitos, que a verdadeiro amor lança as suas raízes. E para crescer forte, temos de aceitar os nossos defeitos e parvoíces, porque antes de sermos bons com os outros, temos de ser bons para nós.
Nem todas as pessoas conseguem formar casais felizes. Nem todas as pessoas conseguem dar tudo numa relação e acreditar que a dois o mundo é um lugar mais fácil e melhor. Mas aqueles que conseguem, são pessoas mais felizes. No man is an Island, escreveu o poeta John Donne. Nenhum homem é uma ilha, inteiro ou só. Cada homem é uma parte de um todo. E o todo forma-se com aqueles que amamos.
Quando um homem é levezinho, é bom, mas quando essa leveza faz dele um ser inconsistente, então as coisas complicam-se. Há uma grande diferença entre um homem leve, que sabe o que quer e que consegue levar uma mulher à certa porque é determinado sem ser impositivo e um que, como se diz em linguagem futebolística, chuta para onde está virado.
O Homem Borboleta é isento de vontade própria, de determinação e de coluna vertebral, e por isso voa ao sabor do vento. Ele pode pousar numa flor mais tempo do que noutra, mas essa aparente dedicação pode apenas querer dizer que estacionou ali porque não tinha outras opções. Com o passar do tempo ele vai começar muito rapidamente a olhar para as flores do lado e a sobrevoá-las, que é o que todas as borboletas fazem, porque foi para isso que nasceram.
O Homem Borboleta não é nem muito giro nem particularmente inteligente ou dotado de charme, mas sabe estar, sabe sorrir, sabe dar a atenção a uma mulher e tem uma presença agradável e decorativa. É o tipo de pessoa que não tem inimizades porque preza o bom trato com toda a gente, mas a sua ausência de brilho não o permite ascender à categoria de popular, sendo apenas bem tolerados pelos outros homens.
O Homem Borboleta, tal como o nome indica, já foi lagarta numa crisálida; é provável que tenha passado uma adolescência solitária a penosa, apenas com as suas crises de acne como companhia. Na idade adulta a sua timidez transformou-se em simpatia discreta e as suas inseguranças passaram a andar escondidas do lado de dentro da camisa.
Uma das características do Homem Borboleta é ser vago e indeciso em todas as ocasiões: ele nunca sabe bem o que quer, a não ser o que lhe apetece nas próximas 3 horas. Amanhã é outro dia e depois logo se vê, diz, encolhendo os ombros, esperando que os outros lhe organizem a vida. Ele sabe seduzir, é exímio em agradar, campeão em bajular, mas nunca se compromete. Se pudesse, vivia sempre a vida de trabalho como um estudante e as relações amorosas como amores de Verão.
Não passa de um menino mimado que nunca cresceu, para quem os anos não acrescentam qualquer tipo de aprendizagem, porque em bom rigor, o Homem Borboleta tem o cérebro desligado, ligando-o apenas para o que lhe interessa. Não é que seja desprovido de inteligência, mas possui aquilo a que chamo inteligência selectiva, só pensando sobre o que quer, acompanhado de memória selectiva, lembrando-se só do que lhe interessa e vontade selectiva, agindo apenas quando lhe convém.
Na verdade não passa de uma variante mais colorida do já retratado Sonso, mas com um prazo de validade ainda mais curto. Afinal, a natureza é sábia; se dita que certos animais têm um tempo de vida curto, é porque não fazem assim tanta falta.