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Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim.Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim.
O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.
Já aqui escrevi que o Pedro Paixão é, na minha opinião, a voz masculina da literatura portuguesa conteporânea que melhor fala de amor. O seu perfil tímido afasta-o das luzes da ribalta, mas é um escritor de culto da minha geração, e é um orgulho desmedido verificar que, quantos mais anos passam, melhor escreve. Ao lermos este livro magnífico, Espécie de Amor, aprendemos muito sobre essa forma sublime do amor que é a amizade, e sobre nós próprios.
Muito diz o Pedro sobre esta amizade, que teve o seu fim, embora, segundo o autor, não pudesse ter tido outro desfecho.
O que é grande é perturbador, viciante e sem saída, como um doce veneno. E acrescenta, as amizades, aliás, só as autênticas amizades não se podem recomeçar. Não se pode voltar a pegar no que já morreu, o amor, senão de um modo primeiro patético e depois desastroso. Como aqueles casais que já se dão muito mal e chegam mesmo a separar-se, e depois voltam a estar juntos e fazem mais um filho, só para poderes, passados meses, divorciar-se finalmente.
Quando a amizade morreu, o sofrimento inerente foi como o de um grande desgosto de amor. O que tínhamos por chão firme abre-se como uma fenda, daí o estardalhaço da queda. Por isso a cama, o escuro, os comprimidos. Da cama não caímos, um raio de luz é um sinal de alegria que não suportamos, os químicos forma os únicos que nunca me traíram, escreve o autor.
Neste tratado sublime sobre amizade e a condição humana, há uma sensação de solidão transversal que é inevitável à condição de escritor: enquanto a vida corre lá fora, nós vivemos fechados em casa a escrever. As pessoas trabalham umas com as outras ou umas para as outras, enquanto nós trabalhamos sozinhos. Por isso as amizades não são tão caras e importantes. Os amigos servem para nos ligar ao mundo. E é bom que não desapareçam, que se lembrem que apesar de vivermos fechados, temos o coração aberto. Mas tal como acontece com um grande desgosto de amor é a vida perder qualquer sentido, sentir a própria vida a escapar-se de nós, como um animal ferido de morte. Será um exagero? Claro que sim, mas o Pedro explica, o amor é um exagero. Se não for um exagero, é outra coisa mais leve, mais fácil de resolver, de relativizar e de esquecer.
Conseguimos manter uma boa amizade com uma aventura fugaz, mas quase nunca com alguém por quem fomos profundamente apaixonados.
Enquanto reflicto sobre os riscos da perda, olho este livro que amo tanto. A capa está gasta, com marcas e dobras. Algumas páginas já denotam o uso, como se tivesse passado por muitas mãos. Será um livro eterno, por me ser tão querido e útil. Com ele aprendi coisas importantes, que só se descobrem com uma grande amizade ou depois de viver um grande amor.
Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim. Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim. O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.
A nossa amizade era tão íntima quanto casta, como, mais tarde aprendi ser uma regra de ouro na amizade entre diferentes sexos: é quando nem um beijo na boca foi trocado, conta-se tudo ao outro, sem filtros nem eufemismos. Uma amizade destas é de um amor profundo.
Se eu fosse um objecto era objectivo, como sou um sujeito, sou subjectivo.
Era uma das frases preferidas meu querido e saudoso amigo António Alçada Baptista (1927-2008), ensaísta, escritor, cronista, apresentador de programas de programas de televisão, mas sobretudo um grande amigo do coração que me fez descobrir nada mais do que o Hemingway, o Graham Green e o Steinbeck, entre outros grandes autores.
O António era dez anos mais velho do que os meus pais e foi o primeiro adulto que me disse, trata-me por tu, miúda, porque no fundo temos a mesma idade.
E tivemos, até ele se cansar da vida. Passávamos a vida de braço dado a passear por Lisboa, à conversa como dois caturras e a descobrir tascas baratas e boas de petiscos. Uma vez, o António convidou-me para ma recepção no Palácio de Belém quando o Mário Soares era Presidente da República e, perante o olhar atónito dos conhecidos com quem nos cruzávamos, percebi nele uma malícia sem maldade ao levar-me orgulhosamente pelo braço, disse-lhe ou ouvido: se eles pensam que sou tua namorada, diz-lhes que sim, e vamos gozar o prato. E claro que gozámos o prato todo o serão e acabámos a noite numa tasca do Bairro Alto a rir do embuste: naquela noite devemos ter enganado mais de 100 pessoas.
A nossa amizade era tão íntima quanto casta, como, mais tarde aprendi ser uma regra de ouro na amizade entre diferentes sexos: é quando nem um beijo na boca foi trocado, conta-se tudo ao outro, sem filtros nem eufemismos. Uma amizade destas é de um amor profundo.
O António era viajado e aventureiro, contava-me as patifarias dele e do Jorge Amado e eu, dada a paixões intensas, partilhava os meus sonhos e as minhas angústias. A menina é um bicho que vai dar muito dôr de cabeça à rapaziada porque pensa bem e depressa e não tem medo de nada.
Eu gostava que ele me chamasse bicho porque era a forma mais carinhosa que o António tinha de tratar as mulheres. Mas gostava ainda mais quando ele dizia que eu não era um bicho qualquer, mas um que iria dar trabalho aos homens.
Eu gosto de dar trabalho aos homens porque gostar de um homem a sério dá imenso trabalho.
É preciso ouvi-lo, saber ler nas entrelinhas, dar-lhe espaço, aprender a conhece-lo sem que ele se assuste. É preciso ir-me adaptando, ser paciente, aprender a perceber o que é importante para ele, o que o faz feliz, o que o deixa seguro e o que mais o irrita. Usando mais uma expressão do António, é preciso conhecer o bicho. Só que um homem é sempre um bicho muito diferente de qualquer mulher e por isso mesmo estranho, por mais atraente que seja.
É como se funcionasse noutro sistema operativo, mesmo que desde o primeiro encontro ele nos pareça próximo e familiar. Cuidado com as aproximações meteóricas, redundam quase sempre em colisões catastróficas. Uma pessoa até pode ter sete vidas como um gato, mas se elas não matam, é certo que moem.
Eu adorava ser objectiva, conseguir olhar para um homem e apanhar-lhe as fraquezas antes dos encantos para me poupar a paixões avassaladoras e nem sempre com os resultados desejados, mas se eu fosse um objecto era objectiva, como sou um sujeito, sou subjectiva.
Já dizia a Yourcenar que a realidade nunca é exacta, pois sobre ela paira sempre o véu do desejo. Nós vemos no outro aquilo que somos, aquilo que gostaríamos de ser e aquilo que gostaríamos que ele fosse.
Às vezes temos sorte e o outro é quase tudo o que imaginámos Mas a sorte é rara, bate à porta poucas vezes na vida. E portanto, quando a ouvimos bater, talvez o melhor seja deixa-la entrar e ver o que nos traz de novo.
Tenho muita sorte porque tenho vários bons amigos. Homens e mulheres, De todas a idades. De todos os estilos e de várias nacionalidades. Os amigos são a nossa segunda família. dedico-lhes livros e escrevo-lhe crónicas. São pessoas que forra o meu coração a papel de seda. Alguns Já morreram, mas viverão para sempre no meu coração. São eternos. Não são infalíveis. Têm imensos defeitos, como eu, mas raramente me desiludem. Entre eles estão os meus irmãos e cunhados. Tenho muita sorte, porque se ficar doente, os dedos das duas mãos não chegam para contar os que aparecem para ajudar, para tudo. É uma bênção cultivada ao longo dos anos. Que dura e perdura. E que viverá comigo para sempre.
Foi ontem, com muita emoção e um misto de alegria e de saudades, que fui ouvir o Manuel Luís Goucha e o José Alberto Carvalho falarem do Manel Forjaz.
É difícil explicar às pessoas que não conheceram o Manel que ele era mesmo como mostrava ser: directo, sem filtros, frontal, rápido, intuitivo, imaginativo, desafiador, curioso. A sua alegria e vontade de viver respirava-se por todos os lados ontem na livraria Bucholz, cheia até à rua. Há oito meses muitos de nós estiveram lá com ele, na apresentação do seu livro Nunca te Distraias da Vida. Ontem ficámos todos com mais um bocado do Manel, as suas conversas com o José Alberto.
O livro já está à venda e tem o mesmo nome do programa de televisão que juntou os dois amigos: 28 minutos e 7 segundos de vida.
Quando cheguei a casa senti uma paz imensa e abracei o Manel outra vez.
Aqueles que amamos vivem para sempre no nosso coração. e essa é uma das maiores dádivas da existência.