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POSTAIS DO RIO DE JANEIRO - NEM TUDO É AZUL NA CIDADE MARAVILHOSA

28.05.15

Numa cidade em que o culto do sexo é praticado às claras, sem culpa nem pudor, tudo é possível, mesmo quando nos parece absurdo, violento e aberrante. No fundo também é assim em todo os lugares do mundo, aqui apenas é praticado de forma muito menos velada.

 

O famoso calçadão do Rio de Janeiro que liga o posto 6 em Copacabana ao posto 12 no bairro do Leblon assemelha-se a um desfile do Nuno Gama na Moda Lisboa.

Não conheço povo que cultive mais o culto do físico do que o carioca.

Não sei com é no resto do Brasil, mas aqui, onde caminho pela rua todos os dias, não tenho dúvidas; os cariocas gostam muito do seu próprio corpo e fazem gala em exibi-lo. Nada mais normal do que um homem em tronco nu no meio de qualquer avenida com uma prancha de surf debaixo do braço.

No Rio de Janeiro a erotização faz parte dos interesses turísticos para todos os gostos: gringos que viajam em busca do calor da mulher brasileira, gringas que procuram na praia companhia para uma noite, gays que se cruzam na Avenida Farme de Amoedo e cruzam olhares para mais tarde cruzar os corpos.

O Rio não tem filtro, aqui vive-se tudo à flor da pele. Apesar de ser um país profundamente machista, os gays andam abraçados na rua e é comum ver homens de mais de 60 anos de mão da com garotas que 20.

Mas, como em todos os países de extremos, também há imagens que chocam. Esta semana cruzei-me no elevador do prédio com uma garota que não devia ter mais de 14 anos. A cara era ainda muito redonda, o corpo acabado de formar, as mãos ainda de criança. Entrou com um ar comprometido e atrás dela entrou um homem com mais de 40 anos: magro, careca, rugas, barba grisalha, mãos grandes e rugosas. Às vezes uma cara engana, mas as mãos nunca enganam quando queremos adivinhar, ainda que por defeito ou excesso, a idade biológica. Os dois pareciam estar separados, mas a energia sexual que pairava no ar denunciava uma ligação próxima e recente. Ele ainda estava corado e percebia-se no desalinho dos cabelos que se penteara à pressa: ela exibia um sorriso triunfal, de quem acabou de conquistar alguma coisa muito importante. Ambos ficaram atrapalhados por se cruzarem com uma estranha no elevador. Terão sentido culpa, vergonha, ou algum tipo de constrangimento?

Não consegui perceber o que sentiam nos vintes segundos que separam o quarto andar da saída do prédio. Minutos depois, caminhavam à minha frente, ela muito pequena ao lado dele, tão pequena que lhe agarrava um dedo, e um dedo apenas era do tamanho da mão dela. Lembrei-me da teoria cínica do filósofo Schopenhauer, que defendia que aquilo que acreditaríamos ser amor não passa do reflexo idealizado do instinto natural da procriação. Schopenhauer defendia também que o ser humano tem tendência a acasalar com pessoas que tenham grandes diferenças físicas: os homens altos procuram mulheres baixas para que os filhos tenham um tamanho normal, homens com queixo predominante preferem mulheres com feições suaves e queixo pequeno para que os descendentes tenham traços mais equilibrados. O filósofo tinha uma visão tão redutora do universo amoroso – reza a sua biografia que terá vivido uma existência profundamente solitária e infeliz, apenas pontuada por algumas relações platónicas – que defendia que o amor nem sequer existia: uma vez completada a função de procriar, o homem entregava o espírito a outras actividades, nomeadamente as intelectuais.

O escritor Michel Huellebecq, num dos seus romances mais brilhantes, A Plataforma, também defende a teoria do exotismo para explicar o interesse de homens caucasianos em mulheres negras, ou o sucesso das loiras nos mercados de prostituição africanos. Um e outro têm do sexo uma visão fria e masculina. E eu vi os dois naquele homem com mais de 40 anos que parecia caminhar contrariado pela rua enquanto a garota teimava em lhe prender apenas um dedo, como fazem os nossos filhos quando são pequenos. Não eram seguramente pai e filha, não existia entre eles nenhuma parecença física, seriam talvez mais um caso entre milhões no mundo de homens que procuram sexo fácil em carnes ainda muito tenras. Fiquei chocada porque sou mãe, porque aquela garota podia ser minha filha, mas quem sabe a mãe dela fez o mesmo na idade dela.

Numa cidade em que o culto do sexo é praticado às claras, sem culpa nem pudor, tudo é possível, mesmo quando nos parece absurdo, violento e aberrante. No fundo também é assim em todo os lugares do mundo, aqui apenas é praticado de forma muito menos velada.

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HOJE ACORDEI A PENSAR - ÉS O QUE DÁS, NÃO ÉS O QUE TENS. E SE NÃO SABES DAR, NÃO VALES NADA

26.05.15

Nao és tu o que tens, és oq ue dás.jpgTudo o que não é dado, perde-se.

Este ditado indiano, apanhado no final de um filme há muitos anos, mudou a minha maneira de olhar para ao mundo.

Quando comecei a publicar cróncas e livros, percebi que era isso que fazia quando escrevia. Eu partilhava o que sentia e isso chegava ao coração da pessoas, por isso era uma forma de dar, a minha. E é sobretudo por isso que nunca mais parei de escrever. É claro que viver das escrita facilita a minha vida, tornei-me uma escritora profissional e uma cronista há mais de 20 anos. Mas a realização última é poder dar o que sinto e o que penso. E isso fez-me pensar naqueles pessoas muito auto-centradas que se julgam auto-suficientes, são na verdade egoístas. Dão pouco, ou, como se diz no Brasil, onde o idioma português é mais livre e transforma a língua para que seja mais viva, não SE dão. Dar-se é partilhar. E quem não sabe partilhar, perde o melhor da vida.

Partilhar ideias, sentimentos, a nossa casa, o nosso tempo, o nosso coração a quem o merece é já de si um presente. É por isso que o amor é sempre generoso e o medo é sempre egoísta. Saber dar é uma dádiva, não saber dar é uma deficiência. Saber receber é uma alegria, não saber receber é uma tristeza.

No entanto, é preciso saber dar na medida justa: daquilo que conseguimos, daquilo que os outros merecem, daquilo que os outros sabem receber. Senão mais vale estar quieto, ou dar a outras pessoas, que precisam e valorizam o nosso afecto, o nosso tempo, a nossa confiança.

Aprender a dar e a receber é um caminho, não é uma meta. E quem não vai por esse caminho, até pode alcançar as metas a que se propõe, mas acredito que o faça em solidão. E a solidão é um país triste, um muro alto e frio, um lugar sem saída. No man ins an island. 

Ninguém é feliz sozinho. Estamos lodos ligados,somos todos feitos da mesma matéria que as estrelas. Dar é uma bênção. E se não sabes dar, então não vales nada.

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MAIS UMA CRÓNICA SOBRE O AMOR E A AMIZADE - PEDRO PAIXÃO, ADORO-TE

22.05.15

capa especie de amor.jpg

 

 Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim.Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim.

O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.

 

Já aqui escrevi que o Pedro Paixão é, na minha opinião, a voz masculina da literatura portuguesa conteporânea que melhor fala de amor. O seu perfil tímido afasta-o das luzes da ribalta, mas é um escritor de culto da minha geração, e é um orgulho desmedido verificar que, quantos mais anos passam, melhor escreve. Ao lermos este livro magnífico, Espécie de Amor, aprendemos muito sobre essa forma sublime do amor que é a amizade, e sobre nós próprios.

Muito diz o Pedro sobre esta amizade, que teve o seu fim, embora, segundo o autor, não pudesse ter tido outro desfecho.

O que é grande é perturbador, viciante e sem saída, como um doce veneno. E acrescenta, as amizades, aliás, só as autênticas amizades não se podem recomeçar. Não se pode voltar a pegar no que já morreu, o amor, senão de um modo primeiro patético e depois desastroso. Como aqueles casais que já se dão muito mal e chegam mesmo a separar-se, e depois voltam a estar juntos e fazem mais um filho, só para poderes, passados meses, divorciar-se finalmente.

Quando a amizade morreu, o sofrimento inerente foi como o de um grande desgosto de amor. O que tínhamos por chão firme abre-se como uma fenda, daí o estardalhaço da queda. Por isso a cama, o escuro, os comprimidos. Da cama não caímos, um raio de luz é um sinal de alegria que não suportamos, os químicos forma os únicos que nunca me traíram, escreve o autor.

Neste tratado sublime sobre amizade e a condição humana, há uma sensação de solidão transversal que é inevitável à condição de escritor: enquanto a vida corre lá fora, nós vivemos fechados em casa a escrever. As pessoas trabalham umas com as outras ou umas para as outras, enquanto nós trabalhamos sozinhos. Por isso as amizades não são tão caras e importantes. Os amigos servem para nos ligar ao mundo. E é bom que não desapareçam, que se lembrem que apesar de vivermos fechados, temos o coração aberto. Mas tal como acontece com um grande desgosto de amor é a vida perder qualquer sentido, sentir a própria vida a escapar-se de nós, como um animal ferido de morte. Será um exagero? Claro que sim, mas o Pedro explica, o amor é um exagero. Se não for um exagero, é outra coisa mais leve, mais fácil de resolver, de relativizar e de esquecer.

Conseguimos manter uma boa amizade com uma aventura fugaz, mas quase nunca com alguém por quem fomos profundamente apaixonados.

Enquanto reflicto sobre os riscos da perda, olho este livro que amo tanto. A capa está gasta, com marcas e dobras. Algumas páginas já denotam o uso, como se tivesse passado por muitas mãos. Será um livro eterno, por me ser tão querido e útil. Com ele aprendi coisas importantes, que só se descobrem com uma grande amizade ou depois de viver um grande amor.

Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim. Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim. O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.

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APRENDI COM A VIDA - NADA É FACIL, MAS QUANDO VALE A PENA, VALE MESMO :)

20.05.15

not easy.jpg

 

 

Aprendi com a vida que o mais importante nunca é o outro, mas a relação que construímos com aquele que amamos. A paz que existe, a alegria que se gera. O prazer que se cultiva, os pequenos gestos que fazemos para tornar o outro feliz e o que ele faz por nós. Não acredito na Pessoa Certa, acredito na relação certa que tem muito de alquímico e de misterioso e que faz com que o outro se torne A Pessoa Certa. Mas para o ser, tem de querer. E para querer, tem de acreditar nele e na sua capacidade de dar e de receber. Tudo começa e acaba em nós.

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PORTUGAL COM SABOR TROPICAL NA PONTA DA LÍNGUA

13.05.15

 

rio de janeiro desenho.jpg

 

SE NAO SABE O QUE É UM FICANTE, UM CARA LESADO, UM FUZUÊ NEM O QUE QUER DIZER TER UM OLHO NO PEIXE E OUTRO NO GATO, ENTÃO VENHA ATÉ AO RIO DE JANEIRO, CIDADE MARAVILHOSA

A língua portuguesa com sabor tropical é mesmo outra coisa. E o uso criativo que fazem dela é quase sempre uma delícia.

No Brasil, rei e senhor dos neologismos, há expressões tão maravilhosas quanto a própria cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Por exemplo, esse cara é um 10 para as 6. Um cara 10 para as 6 é um homem mulato claro, que não chega a ser nem branco nem preto. Outro expressão óptima é ficar com alguém, por distinção a namorar, que em português de Portugal é uma grau acima de andar com alguém. Arrisco a dizer que corresponde ao clássico nacional andar enrolado com, o que é diferente de andar, ou de namorar, embora andar seja um meio caminho entre andar enrolado e namorar.

Ficar com alguém é ficar de vez em quando, sem peso nem compromisso. O mais engraçado é que essa pessoa, com quem se ficou, ou se foi ficando por um tempo indeterminado, passa a ser um ficante para sempre. Esse não foi meu namorado, foi só um ficante. E o ficante ficou para sempre preso num lugar qualquer do qual nunca saíu porque em bom rigor, não ía conseguir ir a lado nenhum, quando as relações são para o que são a não andam nem para a frente nem para trás. Isto para aqueles que não se importam, porque quando as pessoas se chateiam, tal como nós, também dizem eu não me fiquei.

Os brasileiros são exímios em transmutar verbos para substantivos. Se alguém está a bater furiosamente à porta, então está arrumando uma bateção. Outras vezes, os verbos não reflexos são usados como tal: os meus amigos me cancelaram, que é como quem diz, cortaram-me do circuito deles. E riem muito quando usamos expressões como pintar a manta ou siga a marinha porque não fazem ideia do que estamos a falar, mas são eles os inventores de uma das minhas preferidas de sempre, a fila anda. A fila anda serve para imensas coisas na vida, nomeadamente para mudar de vida – e de parceiro – quando não rola, outra expressão à qual é impossível ficar indiferente, porque no Rio de Janeiro rola basicamente tudo, basta sair à rua e observar os cariocas no calçadão, ou dar um mergulho na praia de Ipanema ou do Leblon onde os turistas curiosos e os indígenas sarados metem conversa uns com os outros em ambiente de grande informalidade. Um cara sarado é alguém que tem o corpo malhado. O carioca tem o culto do corpo, tal como a vocação para ser feliz. Aliás, carioca que é carioca tem horror à tristeza e à melancolia. Prefere sempre ser festivo a ser neurótico, o que já de si é um bom princípio de vida. Mas como fumar maconha é tão normal como beber uma água de coco, é normal que as pessoas fiquem um pouco lesadas.

 

Ser um cara lesado não tem nada a ver com ter feito uma lesão no músculo de joelho depois de uma queda de bicicleta, a que os cariocas chama bike. Tem a ver com ser distraído, esquecer-se de combinações previamente feitas a que o brasileiro chama compromissos. E quanto a verbo topar, não é utilizado no sentido luso e perceber algo que não estava claro, o clássico, já topei a jogada. Topar é concordar, vamos no Jobi hoje à noite, você topa ir com a gente? O Jobi é um dos botecos do Leblon onde todo o mundo se cruza. Entenda-se por todo o mundo, a galera de amigos e de conhecidos. Uma galera tanto pode ser um grupo de pessoas como uma grande confusão, a que eles gostam de chamar um fuzuê.

E um cara chato é um puxa saco, que está rasgando a minha seda, ou puxando a minha sardinha, porque assim como acrescentam, também cortam, portanto caíu a brasa e ficou só o peixe. E quando estão desconfiados dizem tou com um olho no peixe e outro no gato. Enfim, o português do Brasil é infinitamente legal, expressão que quer dizer tudo de bom: divertido, cool e mais o que se quiser.

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