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ZONAS CINZENTAS & OUTRAS PARVOÍCES

27.03.15

Desculpem ser antiquada, mas ainda continuo a acreditar em declarações de amor antes do primeiro beijo, no compasso de espera necessário até o momento certo para partilhar o corpo e na paz que é andar de mãos dadas na rua com quem amo.

Sem dúvidas nem zonas cinzentas, dentro ou fora da cama.

 

Dei pelo fenómeno das 50 Sombras de Grey há 4 anos numa livraria em Londres, mesmo antes do livro estoirar nos tops. Peguei por acaso, li dois ou três parágrafos, achei desinteressante, estereotipado e larguei-o. Com o passar do tempo apercebi-me de que o livro surtia nas mulheres um efeito mágico que as conduzia a uma sensação de libertação. Mesmo assim, não o li. A ideia de uma jovem ingénua que é seduzida para os caminhos da perversão por um manipulador experiente não tem nada de original.

Qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe que a inocência é o caminho mais curto para a perversão, porque o instruendo nem sabe ao que vai. O instruído é que sabe e, jogos de prazer aparte, qualquer tipo de relação em que haja submissão de um em favor do outro, sou contra.

Já nos bastam as barbaridades diariamente praticadas na Turquia, Egipto e Iémen, entre outros países, onde é permitido que meninas de 8 anos sejam legalmente casadas com animais de 40 que as violam até à morte na noite de núpcias. Ou as barbaridades cometidas pelo Estado Islâmico. A violência dos homens em relação a qualquer outro ser vivo é sempre condenável e a subjugação sexual é uma das piores.

É por isso que me irrita tanto esta mania europeia e ocidental da massificação de comportamentos perversos, ou no mínimo, pouco saudáveis. Não tenho nada contra adultos que encontram prazer em práticas sado-masoquistas ou bondage dentro de portas ou em clubes privados vocacionados para a modalidade. Mas daí a tentar tornar essas práticas numa moda, divulgadas em literatura de cordel rasca, vai um passo arriscado que fere inevitavelmente a Humanidade.

Andamos há cinco mil anos a lutar pela igualdade entre os sexos, já tivemos avanços e retrocessos, o flagelo é eterno e a tarefa é perpétua. Mas uma das formas de proteger a dignidade feminina é saber distinguir entre o que é ou não saudável numa relação entre um homem e uma mulher. Uma reportagem brilhante sobre violência doméstica que passou recentemente na SIC contou-nos episódios que nos deixaram com a evidência de que em Portugal também existe uma espécie de Estado Islâmico dentro de portas. Ouvir uma criança dizer quando for grande não me quero casar, porque depois vou passar muito tempo no hospital é aterrorizador.

Eu gostava que a nova geração feminina que se afirma tão solta e liberal, que assume a bissexualidade como algo comum, que pratica em casa o que vê em sites pornográficos e foi ver com grande alvoroço o filme das 50 Sombras de Grey à procura de mais sensações que lhe disparasse a adrenalina, parasse para pensar e perguntasse aos avós como viviam o amor. Não aos pais, porque na maior parte dos casos, são filhos de divorciados que nem sempre voltaram a encontrar alguém, e têm por isso uma visão destruída do amor. Se acham que amor é perigoso, mas que o sexo em grupo e outras experiências sensoriais não o são, então algo está profundamente errado na nossa sociedade.

O sexo faz parte da vida e até pode ser praticado sem amor, tirando dele algum proveito, mas nunca conheci ninguém a quem isso chegasse. Sexo com amor é tudo. Mas para o praticar condignamente, é preciso amar o outro e que o outro nos ame. E todos sabemos que o amor é um bem escasso. Talvez o mais prudente seja parar e esperar, em vez de embarcar em números de circo experimentalistas só para mostrar aos amigos que estamos na onda.

Desculpem ser antiquada, mas ainda continuo a acreditar em declarações de amor antes do primeiro beijo, no compasso de espera necessário até o momento certo para partilhar o corpo e na paz que é andar de mãos dadas na rua com quem amo. Sem dúvidas nem zonas cinzentas, dentro ou fora da cama.

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AMOR TOTAL - NÃO É PARA QUEM QUER, É PARA QUEM CONSEGUE

23.03.15

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Chamem-se romântica incurável, adolescente eterna ou apenas ingénua, mas, como muitas mulheres e homens que conheço, ainda acredito no amor total. Naquele amor que te faz ter desejo, vontade e tesão por Aquela pessoa e não outra.

O amor total requer paixão e exclusividade, porque o que tens com Aquele que amas, não queres nem consegues ter com mais ninguém. E quando praticas esse tipo de amor, ele expressa-se de uma forma emocional profunda, o que faz que nada nele seja mecânico e nunca exista um momento de ausência. É estarmos lá inteiros, de corpo e alma, de carne e de espirito, de cabeça e de coração. E se temos a sorte de viver esse tipo de amor, tudo bate certo: o cheiro, o sabor, o ritmo, a pele. E tudo o que fazes ao outro é bem feito e perfeito, na linguagem infinita que é dar e receber prazer.

Desenganem-se aqueles que pensam que o amor sobrevive de forma saudável sem uma ligação física e carnal que nos agarre. Existem múltiplas formas de amor e as relações amorosas passam por muitas fases, mas sem aquele gancho, sem aquele élan, sem borboletas no estômago antes e depois, sem a sensação de ver o mundo a rodar à nossa volta ao primeiro beijo e a vontade de levantar voo em cada abraço, sem aquele brilho no olhar, não chegamos ao Pleno. E o Pleno é dar tudo sem pensar, é esticar a corda, é ir ao limite sem nunca ter medo de nada, é estar ali inteiro para o outro como se o mundo acabasse amanhã.

Há um arrebatamento nas minhas palavras que pode aparecer exagerado, mas apenas para aqueles que nunca o sentiram. É verdade que este tipo de amor acontece poucas vezes na vida. Há pessoas que passam pela vida sem nunca o viver. E outras que já o sentiram mais do que uma vez. Essas, as mais apaixonáveis, são as que nunca têm medo, mesmo quando jogam com probabilidades baixas e arriscam o seu coração e o seu conforto. São pessoas que nunca desistem e que, mesmo cansadas, nunca baixam os braços.

Eu acredito no amor total, ainda que a vida me tenha ensinado que é muito raro. E acredito que não é apenas uma questão e sorte, mas de construir a boa sorte. Agarrá-lo quando aparece, saber reconhece-lo, e a partir daí, cuida-lo e cultiva-lo como um jardim secreto, porque um dos trunfos de um amor total é saber mante-lo na intimidade. Numa época em que tantas pessoas se deixaram contagiar pela compulsão de partilhar cada momento da sua vida, saber guardar um amor destes é um desafio. Por isso escrevo sobre isto, porque é importante saber calar, saber guardar, saber esperar, saber ouvir o outro, saber dar-lhe tempo e espaço, mostrar-lhe que pode confiar em nós, não apenas por todo o amor que lhe temos, mas porque o sabemos preservar.

Não existem histórias de amor perfeitas e lineares, sem afastamentos, discussões e momentos de dúvida profunda atravessados por aquela sensação horrível de ter uma pedra encostada à garganta quando pensamos que Aquele que amamos já não nos ama, ou desistiu de nós. Mas se existir Amor a sério, o tempo e a vontade acabarão por pôr cada coisa no seu lugar certo. E aquilo que nos está destinado, mais cedo ou mais tarde, acabará por nos chegar às mãos e à vida. Nem que para isso tenha de ir ao outro lado do mundo e voltar. Regressará intacto porque é ali que está o nosso coração e por isso é ali que queremos construir a nossa vida.

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AMIZADES CASTAS, AMORES PROFUNDOS - SOBRE O ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA

06.03.15

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A nossa amizade era tão íntima quanto casta, como, mais tarde aprendi ser uma regra de ouro na amizade entre diferentes sexos: é quando nem um beijo na boca foi trocado, conta-se tudo ao outro, sem filtros nem eufemismos. Uma amizade destas é de um amor profundo.

 

Se eu fosse um objecto era objectivo, como sou um sujeito, sou subjectivo.

Era uma das frases preferidas meu querido e saudoso amigo António Alçada Baptista (1927-2008), ensaísta, escritor, cronista, apresentador de programas de programas de televisão, mas sobretudo um grande amigo do coração que me fez descobrir nada mais do que o Hemingway, o Graham Green e o Steinbeck, entre outros grandes autores.

O António era dez anos mais velho do que os meus pais e foi o primeiro adulto que me disse, trata-me por tu, miúda, porque no fundo temos a mesma idade.

E tivemos, até ele se cansar da vida. Passávamos a vida de braço dado a passear por Lisboa, à conversa como dois caturras e a descobrir tascas baratas e boas de petiscos. Uma vez, o António convidou-me para ma recepção no Palácio de Belém quando o Mário Soares era Presidente da República e, perante o olhar atónito dos conhecidos com quem nos cruzávamos, percebi nele uma malícia sem maldade ao levar-me orgulhosamente pelo braço, disse-lhe ou ouvido: se eles pensam que sou tua namorada, diz-lhes que sim, e vamos gozar o prato. E claro que gozámos o prato todo o serão e acabámos a noite numa tasca do Bairro Alto a rir do embuste: naquela noite devemos ter enganado mais de 100 pessoas.

A nossa amizade era tão íntima quanto casta, como, mais tarde aprendi ser uma regra de ouro na amizade entre diferentes sexos: é quando nem um beijo na boca foi trocado, conta-se tudo ao outro, sem filtros nem eufemismos. Uma amizade destas é de um amor profundo.

O António era viajado e aventureiro, contava-me as patifarias dele e do Jorge Amado e eu, dada a paixões intensas, partilhava os meus sonhos e as minhas angústias. A menina é um bicho que vai dar muito dôr de cabeça à rapaziada porque pensa bem e depressa e não tem medo de nada.

Eu gostava que ele me chamasse bicho porque era a forma mais carinhosa que o António tinha de tratar as mulheres. Mas gostava ainda mais quando ele dizia que eu não era um bicho qualquer, mas um que iria dar trabalho aos homens.

Eu gosto de dar trabalho aos homens porque gostar de um homem a sério dá imenso trabalho.

É preciso ouvi-lo, saber ler nas entrelinhas, dar-lhe espaço, aprender a conhece-lo sem que ele se assuste. É preciso ir-me adaptando, ser paciente, aprender a perceber o que é importante para ele, o que o faz feliz, o que o deixa seguro e o que mais o irrita. Usando mais uma expressão do António, é preciso conhecer o bicho. Só que um homem é sempre um bicho muito diferente de qualquer mulher e por isso mesmo estranho, por mais atraente que seja.

É como se funcionasse noutro sistema operativo, mesmo que desde o primeiro encontro ele nos pareça próximo e familiar. Cuidado com as aproximações meteóricas, redundam quase sempre em colisões catastróficas. Uma pessoa até pode ter sete vidas como um gato, mas se elas não matam, é certo que moem.

Eu adorava ser objectiva, conseguir olhar para um homem e apanhar-lhe as fraquezas antes dos encantos para me poupar a paixões avassaladoras e nem sempre com os resultados desejados, mas se eu fosse um objecto era objectiva, como sou um sujeito, sou subjectiva.

Já dizia a Yourcenar que a realidade nunca é exacta, pois sobre ela paira sempre o véu do desejo. Nós vemos no outro aquilo que somos, aquilo que gostaríamos de ser e aquilo que gostaríamos que ele fosse.

Às vezes temos sorte e o outro é quase tudo o que imaginámos Mas a sorte é rara, bate à porta poucas vezes na vida. E portanto, quando a ouvimos bater, talvez o melhor seja deixa-la entrar e ver o que nos traz de novo.

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Muros & pontes, ou A Arte de Fazer as Pazes

05.03.15

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O orgulho é o grande inimigo da paz. Quantas vezes não reprimimos uma mensagem, um telefonema, um gesto, por não querer dar o braço a torcer? Citando Camus, abençoados os corações que se vergam, pois nunca serão partidos

Quando nos zangamos com alguém de quem gostamos, o passo seguinte é fazer as pazes.

Durante muitos anos não entendia a expressão no plural, porque cresci a ouvir falar de paz no singular: vai em paz, estou em paz, o prémio Nobel da Paz, acordos de paz entre os povos. Mas para que a paz regresse, é preciso que todas as partes envolvidas assim o queiram. Infelizmente ninguém constrói uma ponte sozinho: são precisos pelo menos dois pares de mãos para a erguer. E tempo. E vontade. E paciência. E tolerância. E mais tempo.

Para fazer as pazes é preciso antes de mais estar em paz. Ou, ainda que alguns demónios nos atormentem, acreditar que a paz é o único caminho. Mesmo quando as zangas são inevitáveis e temos fundamentos para a zanga. O importante nem sequer é mostrar ao outro que temos razão, mas tentar que ele entenda o nosso ponto de vista. Mostrar-lhe que nos magoou ou nos tratou mal, ainda que nem sempre o faça propositadamente. O que não vale mesmo a pena é alimentar a zanga, porque a zanga só é útil naquele momento. É como uma rajada de vento: varre as folhas mortas e arrebita as vivas.

O difícil é dar o primeiro passo. Ficar à espera que o outro ceda nem sempre resulta. O outro pode não saber como, pode nem sequer querer um entendimento. Ou pode desejar que a zanga passe, mas não saber como resolver.

Fazer as pazes dá trabalho, requer humildade e amor-próprio. Não tem nada a ver com pedir desculpa ou humilhar-se. Dizer a alguém embora lá beber um café ou dar um passeio a beira do rio porque quero ficar em paz contigo é o mesmo que dizer, eu gosto de ti com os defeitos que me irritam e aceito o que tu queres para nós, mas isso já não me magoa, porque quero o melhor para ti e para mim. E para mim, estar em paz é importante.

O orgulho é o grande inimigo da paz. Quantas vezes não reprimimos uma mensagem, um telefonema, um gesto, por não querer dar o braço a torcer? Citando Camus, abençoados os corações que se vergam, pois nunca serão partidos. Um coração magoado pode recuperar as forças com um pouco de paz.

Um coração que não aceita fazer as pazes, das duas uma: ou já está partido há muito tempo, ou já não está lá para nós. E nestes casos, o melhor é encolher os ombros e dizer ao outro eu tentei. Porque afinal, a longo prazo, o que mais custa na vida é olhar para trás e perceber que não tentámos nada pelo outro e por nós. Essa é a grande tristeza, não tentar. O Muro de Berlim foi construído numa madrugada e demorou quase 30 anos a cair, mas quando caíu, já toda a gente sabia que a sua queda era inevitável. E ainda bem.

 

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