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Navegar é preciso; viver não é preciso. Foi Fernando Pessoa quem celebrizou o ditado dos antigos navegadores portugueses. No mesmo poema o poeta, que era dado a depressões e a estados neurasténicos, também escreveu, viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Querido Fernando, nisto não posso estar mais em desacordo contigo. É preciso fazer tudo: sonhar, desejar, arriscar, ganhar, investir, ganhar, perder, voltar à estaca zero, reaprender, navegar, voar, ir, voltar, tudo é preciso para viver, porque viver é preciso. Esta doença imaginária que persegue os escritores tentando convence-los que, ou vivemos ou escrevemos, é um grande embuste. É certo que passamos demasiadas horas sós, perdidos no nosso mundo e entregues à nossa loucura, mas se não conseguirmos sair dela e recuperar o nosso lugar no mundo normal somos tragados como num lodo e nunca mais levantamos a cabeça. Por isso invejo tanto os escritores que escrevem a viajar pelo mundo; quem sabe um dia me torne num deles.
Navegar nunca foi tão preciso como agora: a Europa está triste e sente-se a desolação por todos os lados. O franco suíço disparou e anda a dar dores de cabeça às bolsas europeias. O atentado de Paris deixou-nos atónitos e perplexos. Navegar é apanhar um avião e atravessar um continente ou um oceano e ir respirar outro ar, mesmo que o idioma seja o mesmo. É mudar de clima; trocar as botas de borracha pelas havaianas e as camisolas de gola alta por bikinis e vestidos de praia. É descobrir ou redescobrir outras terras, outras gentes, outros modos de viver. Mudar de hemisfério e mudar o chip. Navegar é preciso para lavar a alma, regenerar o corpo e dar descanso a um coração cansado. Quando um coração descansa, não pode deixar de bater. Só pode aprender a bater mais devagar, a outro ritmo, ao som de outra música. Por isso gosto tanto de Bossa Nova: sempre que oiço uma canção do Chico Buarque ou do João Gilberto, o meu coração amansa, sossega, como um animal selvagem que já não precisa de correr.
Navegar é preciso e viver também é preciso. Eu gosto de navegar com asas, faço o check-in com uma mala de mão e lá vou eu ser feliz num lugar onde ninguém me conhece a não ser os amigos que lá me esperam. Sinto-me leve e sobretudo sinto-me livre. Levo comigo alguns livros e muita vontade de beber sumos de açaí e águas de coco. No meu coração de escritora levo um livro para ir escrevendo, devagarinho, ao ritmo da cidade que me acolhe. Lá, do outro lado do oceano, os meus amigos cariocas chamam-me a Branquinha e isso chega-me.
Do outro lado do mundo somos outras pessoas. Somos quem queremos e somos felizes. Estamos livres de nós mesmos. Por isso viajar é tão importante. Quem não viaja, não dá valor à distância, ao silêncio, ao luto, ao regresso. Quem não viaja perde-se dentro dos seus labirintos. Quem não viaja não é livre, por isso navegar é viver, é recomeçar, é acreditar, é avançar, é crescer. Para regressar mais forte, mais sereno, mais inteiro.
Ontem assisti a mais um show do cantor Ney Matogrosso na antiga Fundição de Cofres Progresso no Bairro da Lapa, Rio de Janeiro, transformada em sala de espectáculos.
Conheço o Ney há muitos anos, a pessoa fora de palco é de uma sobriedade e educação inexcedíveis. Eu diria, quase tímido. Mas quando se metamorfoseia, vira um bicho e deixa as pessoas loucas. É o lado do Ney- Estrela Atómica, 74 anos mas na verdade sem idade, fresco, enxuto e sedutor, que cantou e dançou durante quase duas horas, deixando uma plateia ao rubro com 4 gerações em delírio.
Mesmo na tristeza, o brasileiro sabe dar a volta. O brasileiro não tem idade, nem complexos, nem medo de viver. Se for para curtir, curte tudo, se for para amar, também, se for para sofrer, é para ir ao fundo e subir rapidamente à tona e seguir em frente, feliz.
Um amigo meu carioca diz que Portugal é velório sem defunto. Sábias palavras.
Há palavras que nos magoam só de as ouvir, não apenas pela fonia triste a desolada, mas sobretudo pelo que significam. Uma delas é descorçoado. Reza o dicionário Universal da Língua Portuguesa da Texto Editora que me acompanha desde a faculdade que descorçoar é um verbo que significa desanimar, desalentar.
Enquanto procurava a palavra, quis o destino que tropeçasse em duas outras: devesa, que significa coutada, alameda que delimita um terreno, mata cercada, quinta murada e ainda devastar, que quer dizer assolar, arruinar, destruir, despovoar, tornar deserto. E quando dei por mim tinha três palavras tristes que podiam estar todas relacionadas, porque quem vive descorçoado – o que na minha cabeça significa sem coração ou com o coração desligado da ficha que o liga ao resto das emoções, não sendo portanto mais do que um músculo escravizado pelo dever de bater para manter a máquina em funcionamento, - é por estas razões muitas vezes obrigado a viver numa devesa para que ninguém invada o seu frágil equilíbrio, e se alguém porventura tentar entrar, corre o risco de ser devastado sem retorno possível.
Uma alma descorçoada é uma alma triste, devastada pela sua solidão. Existem vários tipos de solidão; eu pensava que a pior de todas era não ter a companhia daqueles que mais amamos, mas com o tempo percebi que é não desejar a companhia daqueles que nos podem quebrar as defesas e alterar o que acreditamos ser a nossa paz e o nosso equilíbrio. Uma alma descorçoada é uma alma que renuncia aquilo que sente, que escolhe o caminho de não se expor, de não se entregar, de não se deixar ir. Olho em meu redor e vejo cada vez mais pessoas que tomaram por certo e seguro esse trilho, como se o mundo não fosse um lugar em permanente mudança e cheio de caminhos e de alternativas.
Queira Deus e a minha fé teimosa e optimista na condição humana – quanto mais não seja na minha condição – que não me cruze com pessoas que funcionam assim. Ou se tal azar me acontecer, que o meu alarme interno de sobrevivência comece a apitar como se uma avalanche ameaçasse soterrar-me com frio e gelo e o silêncio sepulcral que precedem e sucedem a morte de qualquer coisa, dentro ou fora de nós.
Sempre que o ano finda, é quase inevitável o balanço daquilo que correu bem e mal. A quem faltou saúde, desejam recupera-la, a quem faltou dinheiro, lutam para encontrar um modo de viver melhor, a quem faltou companhia, o sonho de a encontrar.
Para todos os estados consigo imaginar uma vontade, mas para as almas descorçoadas, que teimam em viver atrás de muros que julgam inexpugnáveis, para aqueles para quem o amor ocupa pouco lugar porque distrai da ambição, do dever e do trabalho, para todos aqueles que preferem uma existência omissa, não me ocorre nenhum desejo. De facto, ninguém é perfeito nem nenhum Deus nos ensina onde reside a felicidade. Cada um vive-a como sabe e pode, mas arrisco-me a dizer que estas almas não procuram nada mais do que a virgula maníaca do modo funcionário de viver, do qual o Alexandre o’Neill que era maluco mas não era parvo, nem tão pouco descorçoado, falava.
Eu acredito que a única forma de viver reside na crença profunda de um amor sem medo de nada. Quem tem medo não consegue dar, nem receber. Na verdade, quem tem medo, quase nunca consegue deixar de o ter. E é essa a sua maior tragédia.
Marguerite é uma freira que vive num convento que acolhe meninas surdas-mudas. Um dia conhece Marie, a pequenina de 10 anos que também é cega. Marguerite tem em determinação e resiliência o que lhe falta em saúde. É tuberculoso e sabe que irá morrer mais cedo que as suas irmãs. Decide treinar e educar Marie para que ela aprenda a comunicar com o mundo.
A primeira meia hora do filme é desoladora; apesar de todos os esforços, a freira não consegue progressos, Até ao dia em que, através da linguagem gestual, Marie começa a conseguir comunicar. Todos os dias aprende palavras que representam objectos, sentimentos, ideias. Os progressos são cada vez mais notórios. E mais não conto, esperando que os meus leitores não percam este filme que se encontra ainda em exibição.
Cada vez gosto mais de cinema. Deve ser o único lugar onde os milagres acontecem sempre :)
Quem diz que os homens não são complicados, não sabe o que diz. É verdade que não são todos os dias como nós, mas quando ligam o complicómetro é o caos: começam a construir muros a pôr entraves, a encher-se de dúvidas e torna-se muito difícil dar-lhes a volta. Muitas vezes o melhor é deixar cair, atirar a toalha para ao chão e não perder tempo a tentar desfazer os nós, porque a cada um os seu nós, que é como quem diz, resolve tu os teus problemas porque eu também tenho os meus e além disso quem não se entende a si mesmo, nunca entenderá o outro nem o mundo.
Ainda assim, e já que estamos no início do ano, decidi, a bem da comunidade feminina elaborar uma mini-cartilha para lidar com homens complicados que espero vir a ser útil a muitas mulheres, que, tal como eu, o que querem é ser felizes.
A saber:
É provável que ao fim de seis meses ou um ano chegue à conclusão que não vale o esforço. O problema está nele e não em si. Vire a página e passe à fase seguinte: faça o luto durante o tempo que for necessário e depois siga a marinha. Rei morto, Rei posto, nunca páre na pista e nunca se esqueça, a fila anda. Com sol ou chuva, frio ou calor, quer queiramos, quer não, anda sempre. E para a frente é que é o caminho.
Charlie, Liberdade, Amor. A partir de agora estas palavras vão viver mais unidas do que nunca.
A Europa adormeceu à sombra da sua Paz e deixou entrar milhares de Cavalos de Tróia nas suas fronteiras. E a lógica dos mártires inverteu-se. Os fanáticos islamitas já não se sacrificam pela sua religião; avançam sem medo e matam sem culpa alvos específicos. Mas a Europa não será mártir, nunca foi. A Europa é o berço da Liberdade e da Democracia. Acima das França está a República Francesa e os seus valores inabaláveis: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Charlie ficará para a História como a palavra que simboliza o ano de 2015. Não podemos baixar os braços e deixar-nos colonizar pelo medo. O medo é o maior inimigo do Mundo em que queremos que os nossos filhos cresçam.
Charlie, Liberdade, Amor. A partir de agora estas palavras vão viver mais unidas do que nunca.
A Europa adormeceu à sombra da sua Paz e deixou entrar milhares de Cavalos de Tróia nas suas fronteiras. E a lógica dos mártires inverteu-se. Os fanáticos islamitas já não se sacrificam pela sua religião; avançam sem medo e matam sem culpa alvos específicos. Mas a Europa não será mártir, nunca foi. A Europa é o berço da Liberdade e da Democracia. Acima das França está a República Francesa e os seus valores inabaláveis: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Charlie ficará para a História como a palavra que simboliza o ano de 2015. Não podemos baixar os braços e deixar-nos colonizar pelo medo. O medo é o maior inimigo do Mundo em que queremos que os nossos filhos cresçam.
É necessário um talento excepcional para realizar um filme com um tema tão difícil - a relação entre uma mãe sozinha e um filho com patologias agressivas - de uma forma tão perfeita e pungente como fez Xavier Dolan, actor e realizador canadiano com apenas 25 anos.
Entrei desconfiada na sala de cinema, porque o trailer já me tinha incomodado, mas talvez por isso mesmo arrisquei a viagem. E passei 2 horas e 29 minutos maravilhada com o que vi. Se a história é desoladora e só pode acabar da pior maneira, a forma como está contada é sublime.
Para quem gosta de personagens bem construídas e complexas, cheias de mistérios e contradições, está lá tudo. Para aqueles que apreciam uma realização original com planos inesperados e ângulos criativos, não vão dar o seu tempo como perdido. E para todas as mães de adolescentes, este filme é uma grande lição de vida. Sem explicar nada, só mostrando com as imagens porque é que uma mãe não desiste de um filho. Xavier Dolan consegue mostrar como se sentem todos os seus personagens em todas as cenas; como cada um olha para o mundo, com os seus medos e os seus sonhos. Mais do que um grande filme, é uma viagem inesquecível.
Não percam. É um filme duro, mas de uma beleza e sensibilidade incríveis.
Se queres virar uma página na tua vida,
Pensa bem antes de o fazer
Sente devagar se o teu coração
Te consegue acompanhar
No desejo de virar, porque antes de o fazer, ele pode vacilar, retroceder, duvidar, não conseguir encontrar o novo caminho que tem de percorrer.
Levanta primeiro uma ponta,
Espreita, respira fundo e imagina
Que a página seguinte está em branco
E és tu quem tens de a escrever. Ninguém pode fazer isso por ti.
Volta atrás as vezes que forem precisas.
Relê a tua vida nas duas versões : aquele que foi e aquela que gostarias de ter sido.
Deixa-te estar a sonha. A relembrar. A saborear. Demora o tempo que for preciso. Dorme sobre o assunto, lê, escreve e viaja. Relaxa.
E um dia acordas e viras aquela página sem medo e sem pena, sem mágoa e sem tristeza,Guarda o melhor numa caixa e sela a tampa para que o passado não te ensombre o presente, e quando finalmente tiveres conseguido virar a página, já estás no futuro que é hoje, aqui e agora, todos os dias.
Até a maré mudar e te trouxer o que mais precisas.