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CUIDADO COM OS TUBARÕES -na íntegra

31.07.15

tubarão e match maker.jpg

 Os tubarões são sempre simpáticos, bem-parecidos, com várias horas de ginásio por semana e faro apurado para presas disponíveis. Embora não se importem de correr atrás das mais difíceis – qual é o predador que não gosta de uma boa luta? – não quer dizer que as suas intenções sejam sérias.

 

Atenção meninas, senhoras, solteiras, divorciadas ou casadas com os maridos em férias, abriu a época de caça dos tubarões. As imagens que correram as redes sociais desde o último fim-de-semana não deixaram dúvidas: os tubarões andam por aí, dentro e fora de água, a ver o que apanham. E não se deixem iludir: se o Inverno é a estação por excelência da caça a lebres e perdizes, o Verão é a época alta para os predadores mais descarados e afoitos. É necessário por isso saber identificar os vários tipos de tubarões, para não ser apanhada na onda, que nos irá inevitavelmente levar por uma excitante carreirinha a acabar a morrer no praia, como é clássico dos amores de verão.

Os tubarões são sempre simpáticos, bem-parecidos, com várias horas de ginásio por semana e faro apurado para presas disponíveis. Embora não se importem de correr atrás das mais difíceis – qual é o predador que não gosta de uma boa luta? – não quer dizer que as suas intenções sejam sérias. Especial cuidado para os que aparecem sempre bem vestidos e impecavelmente penteados, a cheirar a Ralph Lauren. Estão nitidamente em campanha. Cuidado com aqueles que se mostram sempre disponíveis e nos dizem tudo que sempre sonhámos ouvir. Nada é verdade, eles é que já têm muitas horas de treino, sabem exatamente o que dizer e como dizer. Alerta especial para o estilo Super-Cavalheiro que te agarra nas mãos e mesmo antes do primeiro beijo e te diz em voz baixa que corre o sério risco de se apaixonar por ti, porque quem fica em risco és tu. Até pode ser verdade, mas é a chamada verdade dos iogurtes; tem um prazo de validade que até vem na tampa, que é a tampa que levas quando afinal a vida dele é outra, mais ou menos entre um e dois meses depois.

Aqui vos deixo uma lista dos tubarões mais perigosos do mundo: o Tubarão Limão, que gosta de te levar para os copos e um dia evapora-se, deixando-te um amargo de boca; o Tubarão Martelo, que te persegue até conseguir o que quer, e depois desaparece; o tubarão Anequim, facilmente confundido com o Tubarão Manequim, que é tão giro que nem te consegues concentrar quando fala contigo. E por fim os mais perigosos, o Tubarão Azul, que te pinta cenários idílicos de férias em Santorini, diz que vocês fazem um casal perfeito, chama-te paixão da minha vida, mas muda de ideias no início do ano escolar, e o Tubarão Tigre que é uma bomba na cama e quando vai à vida dele, não consegues pensar noutra coisa.

Existe uma espécie ainda mais perigosa, que combina o Tigre com o Azul. Acredita querida leitora, nada de pior te pode acontecer este Verão, a não ser seres mesmo mordida por um verdadeiro, com barbatanas biológicas e três fileiras de caninos.

O maior perigo reside na falta de avisos. Se uma pessoa vai passar as férias à ilha da Reunião, vê avisos em todo o lado, mas o mesmo não acontece em território luso ou europeu. Em caso de perigo, o melhor é envergar um fato de mergulhador – os escafandros são muito pesados e com pouca mobilidade – e mostrar-lhe um arpão bem afiado. Talvez não saibas, mas um predador reconhece sempre um predador e por isso pensará duas vezes antes de atacar.

Na silly season, todo o cuidado é pouco, porque o calor dilata os corpos, altera a perceção e afeta o bom senso. Em caso de dúvida, nada de envergar bóias com patinhos nem braçadeiras do Snoopy. O melhor é ficar em terra, porque mais vale ficar a ver navios do que ser enrolada na onda e acabar o Verão sozinha sentada na areia a desenhar corações que não existem.

 

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A SALA DE PÂNICO - NA ÍNTEGRA

20.07.15

homem areia.jpgSeria bom que a rapaziada em geral percebesse o quanto as mulheres apreciam um elemento que se faz à pista, sem medo de levantar voo, porque sabe planear uma aterragem se for necessário. E isso não quer dizer que vá a correr de olhos fechados direto ao precipício contando que lá em baixo esteja uma cascata de água doce à espera.

 

Há um lugar invisível nas cabeças masculinas que se chama a Sala de Pânico.

A Sala de Pânico é um sítio escuro, cheio de ruídos de floresta tropical e de monstros imaginários, sem janelas nem comunicação para o mundo exterior, onde os homens se refugiam quando não sabem literalmente o que fazer com uma mulher.

Ora isto acontece com alguma frequência e pode ter origem de ordem variada. Pode ver com o facto de aparecer uma mulher que tem tudo o que eles sempre sonharam e que se interessa por eles. Já dizia o Mark Twain: existem duas desgraças na vida, uma é querer desesperadamente alguma coisa e a outra é alcança-la. Nada assusta mais um homem do que o medo de desiludir uma mulher, confessou-me uma fonte próxima, leão de gema, homem que faz parte da minoria entre a classe masculina que não tem medo das mulheres, porque não tem medo de nada. São poucos e é uma pena, porque os outros, o que têm mais ou menos medo de nós, acabam por nos dar algum trabalho e nos provocar um certo desconforto.

A entrada para a Sala de Pânico tem quase sempre origem num sentimento profundo de confusão, fascínio e medo, tudo misturado. Sentem-se apaixonados e por isso, fragilizados e a mulher por quem se apaixonaram tem uma personalidade forte, - o que os faz pensar que nunca vão conseguir mandar nela – e tudo junto, dá medo.

Não conheço nenhuma Sala de Pânico porque o cérebro das mulheres não vem equipado com tal dispositivo. Nós temos medo de engordar, de envelhecer, de ficar chatas, de perder o brilho, de não conseguir educar os filhos da melhor maneira, de não ter tempo para tudo o que precisamos de fazer todos os dias, mas raramente temos medo dos homens. E mesmo que tenhamos vivido experiencias menos felizes, quase todas, em algum momento, nos libertamos desse medo e avançamos. Quando queremos romper, seguimos em frente, o nosso coração é o nosso escudo, arregaçamos as mangas e aqui vai disto.

Ao contrário das mulheres, os homens raramente são temerários no amor. Eles fazem a guerra longe de casa, nós somos guerreiras domésticas. Sabemos muito bem como iniciar uma guerra em casa e depois como retomar a paz. E quando um homem entra para a Sala de Pânico, mesmos sem guerra à vista, o melhor é deixa-lo lá ficar um bocado, até se sentir com forças para sair.

Na cabeça dos homens existem outras salas. Como a Sala de Espera. Eles pensam que nos podem pôr lá dentro e que vamos congelar, tipo bacalhau norueguês, enquanto estão a pensar se querem ou não ter, ou continuar a ter uma relação connosco. As mulheres também fazem o mesmo. É normal uma pessoa hesitar, ter dúvidas, dar um tempo. No entanto, são salas diferentes, porque os homens estão habituados a ouvir não, pelo menos à primeira, e as mulheres nunca gostam de ouvir um não em momento algum, porque estão habituadas que lhes digam sim.

Levar tampas faz parte da vida e quem vai à guerra dá e leva, mas já dizia o grande escritor Machado de Assis, do amor querem-se atos de bravura, como na guerra. Ora seria bom que a rapaziada em geral percebesse o quanto as mulheres apreciam um elemento que se faz à pista, sem medo de levantar voo, porque sabe planear uma aterragem se for necessário. E isso não quer dizer que vá a correr de olhos fechados direto ao precipício contando que lá em baixo esteja uma cascata de água doce à espera.

Vestir a camisola é o contrário de entrar na Sala de Pânico. A classe feminina ficaria eternamente grata à rapaziada se fosse um bocadinho mais afoita e menos medrosa. A vida era mais leve, mais divertida e sobretudo mais cheia de bons momentos, que é para isso que cá andamos.

 

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DO MEU PROXIMO LIVRO - A AGENDA DO CORAÇÃO

30.06.15

 

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O Coração não vai para onde queres, nem fica onde decides.Tem vontade própria e faz a sua própria agenda. Podes segui-lo ou ignora-lo, mas não percas tempos em tentar mudar-lhe a vontade. É um país soberano com moeda própria que só se deixa invadir quando quer. Tentar mandar nele é o mesmo que tentar conquistar a Grã-Bretanha. Já pensaste porque é que os ingleses não têm um dia para festejar a independência? Porque nunca foram invadidos.

Podes aprender amansar o coração. Tarefa árdua e perpétua, porque todos os dias acorda quase no ponto de retrocesso em que o deixaste quando adormeceste. Mas tentar muda-lo, esquece. É como querer que Portugal se descole de Espanha e se faça ao mar como uma ilha. Não mandas em tudo o que queres, muito menos dentro de ti. Isso não existe.

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A PAIXAO É A PILHAS, O AMOR TEM BATERIA

15.06.15

 

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Uma das regras básicas de um amor vedadeiro é o sentido de proteção pelo outro e pela relação que construímos com ele; uma vigilância atenta e serena, esperando do outro sempre o melhor, dando-lhe espaço e tempo para se organizar. Mas se não houver reciprocidade, então não é bem amor, é outra coisa qualquer que não nos vai fazer felizes, por isso o melhor é atirar a toalha para o chão e seguir em frente 

 

Estar apaixonado por alguém ou amar outra pessoa pode não ser a mesma coisa. Ou pode. Depende de quem ama, se sabe ou não amar. Há pessoas que só sabem apaixonar-se, que se alimentam de uma visão, de uma quimera, de um sonho que podemos tornar realidade se quisermos, mas que depois não querem, têm medo de arriscar, ou porque afinal, o objeto da paixão que provocava arrepios e borboletas da barriga não é assim tão importante, ou não gostam assim tanto dele.

Agir assim, dando tudo para depois tirar tudo, é como ser uma espécie de serial killer do coração.

Correr para caçar, lutar para apanhar a presa, devora-la e deixar a carcaça para os abutres. Mas será que é assim tão linear? Quase nunca é. O caçador também é caçado pela vertigem da paixão, de um início auspicioso de uma história de amor. Porque quando há matéria amorosa para além da matéria da paixão carnal, nunca é fácil partir, nunca é fácil largar. Há uma força que nos impele para o outro, mesmo quando ele se afasta. Ou que o traz de volta quando guardamos silêncio e distância.

Nada é linear, nada é previsível. Apenas podemos contar com a nossa fé em nós mesmos e com os desígnios misteriosos que a vida nos reserva. E se queremos esquecer o outro, o melhor é deixar bater o coração ao seu próprio ritmo, como as pás de uma ventoinha que nunca param de girar quando a desligamos; o embalo do seu peso continua a fazer com que rodem, cada vez mais devagar, até finalmente atingirem o estado da imobilidade. Só atingido esse estado, se pode olhar para baixo e ver nas águas tranquilas o que elas nos mostram.

Quando a corrente é forte, só se sente energia, desejo, vontade, dor, saudade, medo, tristeza, delírio. Não se consegue ver nada para além da nossa visão da realidade que é a que mais desejamos.

Sentimos uma ligação ao outro que no faz adivinhar quando está a pensar em nós, ou quando se desliga. Como dizia Fernão Capelo Gaivota, não há longe nem distância. Mas para isso o amor tem de suplantar o medo, a insegurança, o egoísmo, o orgulho. Ele consegue construir um arco por cima do tempo e para lá do espaço visível, consegue manter-se forte e intocável, mas para tal é preciso coragem e determinação.

Uma das regras básicas de um amor verdadeiro é o sentido de protecção pelo outro e pela relação que construímos com ele; uma vigilância atenta e serena, esperando do outro sempre o melhor, dando-lhe espaço e tempo para se organizar. Mas se não houver reciprocidade, então não é bem amor, é outra coisa qualquer que não nos vai fazer felizes, por isso o melhor é atirar a toalha para o chão e seguir em frente. Cada caso é um caso e o medo quase nunca nos dá o conselho mais sábio, mas na dúvida, o melhor é seguir o nosso instinto. Ele guia-nos sempre, em qualquer momento, basta dar-lhe ouvidos.

Se o outro nos amar, ainda que tenha passado por um período de dúvida ou de ausência, ele irá aparecer reflectido em algum lugar. Não apenas a sua imagem, mas a sua presença, o seu corpo, a sua voz, num abraço inesperado e no entanto desejado. Mas para isso, ele tem de saber amar.

O amor sobrevive à distância e não se dilui no tempo. O amor é forte e resistente. Estar apaixonado não chega. As pilhas acabam depressa. A paixão é a pilhas, o amor tem uma bateria.

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DO DESEJO E DAS LEIS DA ECONOMIA

04.06.15

never let go that sad called desire - patti Smith.

 O desejo corre em águas profundas e, se não o conseguimos controlar, devemos pelo menos tentar entende-lo. O entendimento não resolve tudo, mas ajuda a manter a cabeça limpa e as ideias arrumadas.

 

 

Isto de ter um irmão gestor e vários amigos economistas deu-me algumas ferramentas para interpretar as relações amorosas, embora a vida me tenha ensinado que os princípios básicos da economia sejam mais fáceis de aplicar em maçãs e beringelas do que no amor.

 

A grande questão do amor é que ele é muita coisa; envolve inúmeras variáveis diferentes, que por sua vez, diferem de pessoa para pessoa e de caso para caso. E quando nele correm as águas profundas do desejo, tudo se torna ainda mais complicado. Sabemos amar os filhos de forma incondicional, sabemos amar os pais com gratidão e espírito de vigilância, sabemos amar os irmãos com fraternidade e respeito e os amigos com cumplicidade, admiração e confiança.

Mas o amor apaixonado, que nos faz levantar voo ou ir para fora de pé de êxtase e de felicidade pura, é outra conversa. Há muito de misterioso e de alquímico nesse amor pleno e sério, que pode passar por fases tranquilas, ou agitar-se com uma tempestade, que tem tanto de paz como de guerra, e tanto de luz como de sombra.

O desejo corre em águas profundas e, se não o conseguimos controlar, devemos pelo menos tentar entende-lo. O entendimento não resolve tudo, mas ajuda a manter a cabeça limpa e as ideias arrumadas.

Voltando à economia, quando a paixão é imensa, intensa e parece infinita, é bom segurar os cavalos e esperar para ver se do outro lado também é. Senão, quando dermos por isso podemos estar a correr sozinhos para uma meta solitária e é muito fácil ir para fora de pé no amor, mais fácil e rápido do que julgamos, porque o amor também pode actuar no nosso cérebro como uma espécie de droga, e como é sabido, não existem drogas leves, são todas pesadas, e por isso, perigosas. É por isso recomendável algum recuo, sossego e silêncio, mesmo nos momentos mais intensos.

Quando as mulheres estavam menos disponíveis, os homens investiam muito mais tempo na demanda da conquista. A oferta feminina crescente e galopante facilitou a vida aos homens com consequências perversas. Agora, com tanta oferta, um tipo com boa aparência ou com posses que faça dele um alvo minimamente atraente, não precisa de andar atrás delas, porque são elas que andam atrás dele. O novo é irresistível e a diversidade, encantadora.

Nunca houve tanta oferta, o que faz com que a curva da procura diminua.

Mas o tempo não respeita o que é feito sem ele, daí a adequada aplicação da Lei da Oferta e da Procura. E a primeira regra feminina é não procurar.

Uma amiga minha que saía todos os fim-de-semanas em busca do seu príncipe e nunca conheceu ninguém de jeito, um dia foi ao supermercado de cabelo ainda molhado e roupa de ginástica e lá estava ele, entre o Presto e o Omo. Como ela não o levou a sério, deu-lhe picadeiro até ele conseguir provar que estava mesmo interessado, e quando levou a taça, andava há semanas atrás dela.

É bom que as mulheres entendam que na cabeça de um homem ter sexo é uma coisa e gostar de uma mulher é outra. Se ele tiver de lutar para a conquistar, irá sentir-se mais gratificado do que se isso lhe for entregue sem luta. Mas para isso, é preciso que a mulher lhe dê tempo e espaço para tal. No pain, no gain, como dizem os ingleses.

Estar quieto também é uma acção. Conheço poucas coisas mais difíceis de fazer quando estamos apaixonados. Mas vale sempre a pena tentar.

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POSTAIS DO RIO DE JANEIRO - NEM TUDO É AZUL NA CIDADE MARAVILHOSA

28.05.15

Numa cidade em que o culto do sexo é praticado às claras, sem culpa nem pudor, tudo é possível, mesmo quando nos parece absurdo, violento e aberrante. No fundo também é assim em todo os lugares do mundo, aqui apenas é praticado de forma muito menos velada.

 

O famoso calçadão do Rio de Janeiro que liga o posto 6 em Copacabana ao posto 12 no bairro do Leblon assemelha-se a um desfile do Nuno Gama na Moda Lisboa.

Não conheço povo que cultive mais o culto do físico do que o carioca.

Não sei com é no resto do Brasil, mas aqui, onde caminho pela rua todos os dias, não tenho dúvidas; os cariocas gostam muito do seu próprio corpo e fazem gala em exibi-lo. Nada mais normal do que um homem em tronco nu no meio de qualquer avenida com uma prancha de surf debaixo do braço.

No Rio de Janeiro a erotização faz parte dos interesses turísticos para todos os gostos: gringos que viajam em busca do calor da mulher brasileira, gringas que procuram na praia companhia para uma noite, gays que se cruzam na Avenida Farme de Amoedo e cruzam olhares para mais tarde cruzar os corpos.

O Rio não tem filtro, aqui vive-se tudo à flor da pele. Apesar de ser um país profundamente machista, os gays andam abraçados na rua e é comum ver homens de mais de 60 anos de mão da com garotas que 20.

Mas, como em todos os países de extremos, também há imagens que chocam. Esta semana cruzei-me no elevador do prédio com uma garota que não devia ter mais de 14 anos. A cara era ainda muito redonda, o corpo acabado de formar, as mãos ainda de criança. Entrou com um ar comprometido e atrás dela entrou um homem com mais de 40 anos: magro, careca, rugas, barba grisalha, mãos grandes e rugosas. Às vezes uma cara engana, mas as mãos nunca enganam quando queremos adivinhar, ainda que por defeito ou excesso, a idade biológica. Os dois pareciam estar separados, mas a energia sexual que pairava no ar denunciava uma ligação próxima e recente. Ele ainda estava corado e percebia-se no desalinho dos cabelos que se penteara à pressa: ela exibia um sorriso triunfal, de quem acabou de conquistar alguma coisa muito importante. Ambos ficaram atrapalhados por se cruzarem com uma estranha no elevador. Terão sentido culpa, vergonha, ou algum tipo de constrangimento?

Não consegui perceber o que sentiam nos vintes segundos que separam o quarto andar da saída do prédio. Minutos depois, caminhavam à minha frente, ela muito pequena ao lado dele, tão pequena que lhe agarrava um dedo, e um dedo apenas era do tamanho da mão dela. Lembrei-me da teoria cínica do filósofo Schopenhauer, que defendia que aquilo que acreditaríamos ser amor não passa do reflexo idealizado do instinto natural da procriação. Schopenhauer defendia também que o ser humano tem tendência a acasalar com pessoas que tenham grandes diferenças físicas: os homens altos procuram mulheres baixas para que os filhos tenham um tamanho normal, homens com queixo predominante preferem mulheres com feições suaves e queixo pequeno para que os descendentes tenham traços mais equilibrados. O filósofo tinha uma visão tão redutora do universo amoroso – reza a sua biografia que terá vivido uma existência profundamente solitária e infeliz, apenas pontuada por algumas relações platónicas – que defendia que o amor nem sequer existia: uma vez completada a função de procriar, o homem entregava o espírito a outras actividades, nomeadamente as intelectuais.

O escritor Michel Huellebecq, num dos seus romances mais brilhantes, A Plataforma, também defende a teoria do exotismo para explicar o interesse de homens caucasianos em mulheres negras, ou o sucesso das loiras nos mercados de prostituição africanos. Um e outro têm do sexo uma visão fria e masculina. E eu vi os dois naquele homem com mais de 40 anos que parecia caminhar contrariado pela rua enquanto a garota teimava em lhe prender apenas um dedo, como fazem os nossos filhos quando são pequenos. Não eram seguramente pai e filha, não existia entre eles nenhuma parecença física, seriam talvez mais um caso entre milhões no mundo de homens que procuram sexo fácil em carnes ainda muito tenras. Fiquei chocada porque sou mãe, porque aquela garota podia ser minha filha, mas quem sabe a mãe dela fez o mesmo na idade dela.

Numa cidade em que o culto do sexo é praticado às claras, sem culpa nem pudor, tudo é possível, mesmo quando nos parece absurdo, violento e aberrante. No fundo também é assim em todo os lugares do mundo, aqui apenas é praticado de forma muito menos velada.

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HOJE ACORDEI A PENSAR - ÉS O QUE DÁS, NÃO ÉS O QUE TENS. E SE NÃO SABES DAR, NÃO VALES NADA

26.05.15

Nao és tu o que tens, és oq ue dás.jpgTudo o que não é dado, perde-se.

Este ditado indiano, apanhado no final de um filme há muitos anos, mudou a minha maneira de olhar para ao mundo.

Quando comecei a publicar cróncas e livros, percebi que era isso que fazia quando escrevia. Eu partilhava o que sentia e isso chegava ao coração da pessoas, por isso era uma forma de dar, a minha. E é sobretudo por isso que nunca mais parei de escrever. É claro que viver das escrita facilita a minha vida, tornei-me uma escritora profissional e uma cronista há mais de 20 anos. Mas a realização última é poder dar o que sinto e o que penso. E isso fez-me pensar naqueles pessoas muito auto-centradas que se julgam auto-suficientes, são na verdade egoístas. Dão pouco, ou, como se diz no Brasil, onde o idioma português é mais livre e transforma a língua para que seja mais viva, não SE dão. Dar-se é partilhar. E quem não sabe partilhar, perde o melhor da vida.

Partilhar ideias, sentimentos, a nossa casa, o nosso tempo, o nosso coração a quem o merece é já de si um presente. É por isso que o amor é sempre generoso e o medo é sempre egoísta. Saber dar é uma dádiva, não saber dar é uma deficiência. Saber receber é uma alegria, não saber receber é uma tristeza.

No entanto, é preciso saber dar na medida justa: daquilo que conseguimos, daquilo que os outros merecem, daquilo que os outros sabem receber. Senão mais vale estar quieto, ou dar a outras pessoas, que precisam e valorizam o nosso afecto, o nosso tempo, a nossa confiança.

Aprender a dar e a receber é um caminho, não é uma meta. E quem não vai por esse caminho, até pode alcançar as metas a que se propõe, mas acredito que o faça em solidão. E a solidão é um país triste, um muro alto e frio, um lugar sem saída. No man ins an island. 

Ninguém é feliz sozinho. Estamos lodos ligados,somos todos feitos da mesma matéria que as estrelas. Dar é uma bênção. E se não sabes dar, então não vales nada.

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MAIS UMA CRÓNICA SOBRE O AMOR E A AMIZADE - PEDRO PAIXÃO, ADORO-TE

22.05.15

capa especie de amor.jpg

 

 Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim.Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim.

O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.

 

Já aqui escrevi que o Pedro Paixão é, na minha opinião, a voz masculina da literatura portuguesa conteporânea que melhor fala de amor. O seu perfil tímido afasta-o das luzes da ribalta, mas é um escritor de culto da minha geração, e é um orgulho desmedido verificar que, quantos mais anos passam, melhor escreve. Ao lermos este livro magnífico, Espécie de Amor, aprendemos muito sobre essa forma sublime do amor que é a amizade, e sobre nós próprios.

Muito diz o Pedro sobre esta amizade, que teve o seu fim, embora, segundo o autor, não pudesse ter tido outro desfecho.

O que é grande é perturbador, viciante e sem saída, como um doce veneno. E acrescenta, as amizades, aliás, só as autênticas amizades não se podem recomeçar. Não se pode voltar a pegar no que já morreu, o amor, senão de um modo primeiro patético e depois desastroso. Como aqueles casais que já se dão muito mal e chegam mesmo a separar-se, e depois voltam a estar juntos e fazem mais um filho, só para poderes, passados meses, divorciar-se finalmente.

Quando a amizade morreu, o sofrimento inerente foi como o de um grande desgosto de amor. O que tínhamos por chão firme abre-se como uma fenda, daí o estardalhaço da queda. Por isso a cama, o escuro, os comprimidos. Da cama não caímos, um raio de luz é um sinal de alegria que não suportamos, os químicos forma os únicos que nunca me traíram, escreve o autor.

Neste tratado sublime sobre amizade e a condição humana, há uma sensação de solidão transversal que é inevitável à condição de escritor: enquanto a vida corre lá fora, nós vivemos fechados em casa a escrever. As pessoas trabalham umas com as outras ou umas para as outras, enquanto nós trabalhamos sozinhos. Por isso as amizades não são tão caras e importantes. Os amigos servem para nos ligar ao mundo. E é bom que não desapareçam, que se lembrem que apesar de vivermos fechados, temos o coração aberto. Mas tal como acontece com um grande desgosto de amor é a vida perder qualquer sentido, sentir a própria vida a escapar-se de nós, como um animal ferido de morte. Será um exagero? Claro que sim, mas o Pedro explica, o amor é um exagero. Se não for um exagero, é outra coisa mais leve, mais fácil de resolver, de relativizar e de esquecer.

Conseguimos manter uma boa amizade com uma aventura fugaz, mas quase nunca com alguém por quem fomos profundamente apaixonados.

Enquanto reflicto sobre os riscos da perda, olho este livro que amo tanto. A capa está gasta, com marcas e dobras. Algumas páginas já denotam o uso, como se tivesse passado por muitas mãos. Será um livro eterno, por me ser tão querido e útil. Com ele aprendi coisas importantes, que só se descobrem com uma grande amizade ou depois de viver um grande amor.

Gosto de repetir as coisas que mais gosto e se for preciso de as esgotar, levando-as até ao fim. Vou sempre ao fundo das questões, mesmo que isso implique ir ao fundo. E depois volto, ao mundo e a mim. O Pedro chama-me um Fénix Natural. Talvez tenha razão. O amor existe sempre, mesmo que seja apenas nas palavras.

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APRENDI COM A VIDA - NADA É FACIL, MAS QUANDO VALE A PENA, VALE MESMO :)

20.05.15

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Aprendi com a vida que o mais importante nunca é o outro, mas a relação que construímos com aquele que amamos. A paz que existe, a alegria que se gera. O prazer que se cultiva, os pequenos gestos que fazemos para tornar o outro feliz e o que ele faz por nós. Não acredito na Pessoa Certa, acredito na relação certa que tem muito de alquímico e de misterioso e que faz com que o outro se torne A Pessoa Certa. Mas para o ser, tem de querer. E para querer, tem de acreditar nele e na sua capacidade de dar e de receber. Tudo começa e acaba em nós.

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PORTUGAL COM SABOR TROPICAL NA PONTA DA LÍNGUA

13.05.15

 

rio de janeiro desenho.jpg

 

SE NAO SABE O QUE É UM FICANTE, UM CARA LESADO, UM FUZUÊ NEM O QUE QUER DIZER TER UM OLHO NO PEIXE E OUTRO NO GATO, ENTÃO VENHA ATÉ AO RIO DE JANEIRO, CIDADE MARAVILHOSA

A língua portuguesa com sabor tropical é mesmo outra coisa. E o uso criativo que fazem dela é quase sempre uma delícia.

No Brasil, rei e senhor dos neologismos, há expressões tão maravilhosas quanto a própria cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Por exemplo, esse cara é um 10 para as 6. Um cara 10 para as 6 é um homem mulato claro, que não chega a ser nem branco nem preto. Outro expressão óptima é ficar com alguém, por distinção a namorar, que em português de Portugal é uma grau acima de andar com alguém. Arrisco a dizer que corresponde ao clássico nacional andar enrolado com, o que é diferente de andar, ou de namorar, embora andar seja um meio caminho entre andar enrolado e namorar.

Ficar com alguém é ficar de vez em quando, sem peso nem compromisso. O mais engraçado é que essa pessoa, com quem se ficou, ou se foi ficando por um tempo indeterminado, passa a ser um ficante para sempre. Esse não foi meu namorado, foi só um ficante. E o ficante ficou para sempre preso num lugar qualquer do qual nunca saíu porque em bom rigor, não ía conseguir ir a lado nenhum, quando as relações são para o que são a não andam nem para a frente nem para trás. Isto para aqueles que não se importam, porque quando as pessoas se chateiam, tal como nós, também dizem eu não me fiquei.

Os brasileiros são exímios em transmutar verbos para substantivos. Se alguém está a bater furiosamente à porta, então está arrumando uma bateção. Outras vezes, os verbos não reflexos são usados como tal: os meus amigos me cancelaram, que é como quem diz, cortaram-me do circuito deles. E riem muito quando usamos expressões como pintar a manta ou siga a marinha porque não fazem ideia do que estamos a falar, mas são eles os inventores de uma das minhas preferidas de sempre, a fila anda. A fila anda serve para imensas coisas na vida, nomeadamente para mudar de vida – e de parceiro – quando não rola, outra expressão à qual é impossível ficar indiferente, porque no Rio de Janeiro rola basicamente tudo, basta sair à rua e observar os cariocas no calçadão, ou dar um mergulho na praia de Ipanema ou do Leblon onde os turistas curiosos e os indígenas sarados metem conversa uns com os outros em ambiente de grande informalidade. Um cara sarado é alguém que tem o corpo malhado. O carioca tem o culto do corpo, tal como a vocação para ser feliz. Aliás, carioca que é carioca tem horror à tristeza e à melancolia. Prefere sempre ser festivo a ser neurótico, o que já de si é um bom princípio de vida. Mas como fumar maconha é tão normal como beber uma água de coco, é normal que as pessoas fiquem um pouco lesadas.

 

Ser um cara lesado não tem nada a ver com ter feito uma lesão no músculo de joelho depois de uma queda de bicicleta, a que os cariocas chama bike. Tem a ver com ser distraído, esquecer-se de combinações previamente feitas a que o brasileiro chama compromissos. E quanto a verbo topar, não é utilizado no sentido luso e perceber algo que não estava claro, o clássico, já topei a jogada. Topar é concordar, vamos no Jobi hoje à noite, você topa ir com a gente? O Jobi é um dos botecos do Leblon onde todo o mundo se cruza. Entenda-se por todo o mundo, a galera de amigos e de conhecidos. Uma galera tanto pode ser um grupo de pessoas como uma grande confusão, a que eles gostam de chamar um fuzuê.

E um cara chato é um puxa saco, que está rasgando a minha seda, ou puxando a minha sardinha, porque assim como acrescentam, também cortam, portanto caíu a brasa e ficou só o peixe. E quando estão desconfiados dizem tou com um olho no peixe e outro no gato. Enfim, o português do Brasil é infinitamente legal, expressão que quer dizer tudo de bom: divertido, cool e mais o que se quiser.

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